quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Pentágono rotula jornalistas como inimigos

Pentágono rotula jornalistas como inimigos

Norma descreve profissionais de mídia como 'beligerantes desprestigiados', categoria pior que prisioneiro de guerra
Classificação consta de manual da Defesa americana e, por ser vaga, abre espaço para censura, dizem críticos
MARCELO NINIODE WASHINGTON

Um novo manual de conduta do governo americano para militares em conflitos armados colocou defensores da liberdade de imprensa em pé de guerra com o Pentágono.
O motivo da insatisfação é uma norma que permite aos comandantes tratar jornalistas como "beligerantes desprestigiados", uma categoria equivalente a combatentes inimigos ou espiões.
Nesses casos, explicados de forma vaga no manual, jornalistas poderiam perder as proteções que recebem os civis sob a Convenção de Genebra, o tratados que estabelece princípios humanitários na condução de conflitos.
A sessão dedicada à imprensa ocupa uma pequena parte do documento de 1.176 páginas, mas tem causado barulho. Após ser publicado pelo Departamento de Defesa sem alarde, em junho, o manual ganhou destaque ao ser alvo de editorial do "New York Times" intitulado "A perigosa visão do Pentágono sobre o jornalismo de guerra".
A organização Repórteres sem Fronteiras enviou uma carta ao secretário da Defesa dos EUA, Ash Carter, pedindo a revisão do documento.
"Os Estados tem o dever de proteger jornalistas que cobrem conflitos armados" diz a carta. "Este manual dá um passo na direção errada."
Embora reconheça que em geral jornalistas devam ser considerados civis, o manual do Pentágono diz que, conforme a situação, eles podem ser equiparados a combatentes inimigos sem direito à proteção para civis ou até mesmo combatentes legais.
Em alguns casos, fornecer informação "poderia significar uma participação direta nas hostilidades", diz o documento. "Relatar operações militares pode ser muito similar a coletar inteligência ou mesmo espionar."
BRECHA PARA ABUSOS
A justificativa para categorizar jornalistas dessa forma "não tem base em nenhum caso lei ou tratado específicos", criticou Frank Smyth, consultor para segurança de jornalistas do Comitê de Proteção a Jornalistas, organização baseada em Nova York.
A maior preocupação é que uma norma tão vaga destinada situações extremas é um convite à prática de abusos.
"O argumento do manual de que algumas atividades de reportagem podem ser interpretadas como parte de hostilidades é ridículo. Uma norma definida de forma tão vaga pode servir para abusos de militares para censurar ou até mesmo atingir jornalistas", afirma o "New York Times".
O documento do Pentágono também prevê situações em que jornalistas podem ser censurados para não revelar informações ao inimigo. O manual recomenda que os profissionais de mídia façam seu trabalho com permissão das "autoridades relevantes".
Diante das críticas, o Pentágono defendeu-se com um comunicado no qual afirma que as regras "não representam uma diretriz e o manual não é uma ordem oficial".
Em entrevista à Rádio Pública Nacional, o advogado do Departamento de Defesa Charles Allen disse que as críticas seriam levadas em consideração para possíveis "atualizações" no manual.
Para críticos do presidente Barack Obama, o manual é outro indício da política pouco amistosa de seu governo com a imprensa. Desde sua chegada à Casa Branca, em 2009, os EUA caíram do 20º para o 49º lugar no ranking mundial de liberdade de imprensa da RSF, em 2014.
Entre as ações do governo condenadas pela organização estão o "assédio judicial" a um repórter que recebeu informação secreta de um agente da CIA e a prisão arbitrária de 15 repórteres que cobriam protestos contra a morte do jovem negro Michael Brown em Ferguson, Missouri.


Reprodução da Folha de São Paulo

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