domingo, 2 de agosto de 2015

Chame o burro

Obras de escavação do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) revelaram o passado dos bondes, trilhos antigos desenterrados na região em torno à Praça Tiradentes. Não apenas os elétricos como também os puxados a burro, que começaram a circular em 1868, e logo foram batizados: "jabutis".
Era um assombro. O condutor, além de chicotear, fazia, na descrição de Pedro Nava, "uma série de ruídos que tirava dos beiços, da língua, das bochechas, das goelas, e que eram muxoxos e chupões, assovios e estalos, brados monossilábicos e gritos churriados, a que as adestradas alimárias respondiam com o passo, a marcha, o trote, a andadura e a parada".
Difícil imaginar, pois não? Da mesma maneira é inacreditável que, hoje, um ônibus na contramão possa atropelar na calçada uma mãe com bebê no colo (a criança, de três meses, morreu). Ou que outro ônibus na Linha Vermelha perca a roda e esta atinja em cheio um idoso (ele também morreu). É o resultado da combinação assassina de uma frota em pandarecos (e não vistoriada) na mão de motoristas explorados e incompetentes.
Numa semana, são os ônibus. Na seguinte, as barcas ou os trens, ou o metrô, ou as vans. Ou todos eles juntos e ao mesmo tempo. Ou a pressão dos taxistas, que resolvem parar a cidade em sua guerra particular contra o aplicativo Uber (negócio conhecido pelo eufemismo "carona paga"). Os mesmos taxistas que fogem da fiscalização como o diabo da cruz, nunca têm troco e são as criaturas mais gentis da paróquia.
Não é preciso ir à esquina para descobrir que o transporte é um buraco negro no Rio. Não vejo como os VLTs (urge um apelido para substituir a sigla que identifica os bondes futuristas) poderão amenizar o problema sem um planejamento de qualidade para as massas. Do contrário, melhor chamar os burros de volta.

Texto de Álvaro da Costa e Silva, na Folha de São Paulo

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