CRÍTICA CINEMA/COMÉDIA

Filme argentino narra solidão de amigas na laje

'Las Insoladas' demonstra que longas conduzidos por mulheres nem sempre são sinônimos de ficções histéricas

CÁSSIO STARLING CARLOSCRÍTICO DA FOLHA

Um grupo de seis mulheres fala pelos cotovelos enquanto toma sol ao longo de um sábado num verão escaldante no terraço de um prédio no centro de Buenos Aires.

Com uma sinopse dessas, "Las Insoladas" pode desmotivar até as adeptas mais entusiasmadas do pós-feminismo.

Por trás dessa aparência, o filme dirigido pelo argentino Gustavo Taretto, o mesmo do bem-sucedido "Medianeras", demonstra que um filme protagonizado só por mulheres nem sempre é sinônimo de ficções histéricas ou de comédias estereotipadas.

Além disso, a opção de delimitar quase toda a narrativa ao espaço do terraço de um prédio não se enquadra na tendência contemporânea de evidenciar o nada com vazios.

Os primeiros minutos dão a impressão de estarmos diante de mais uma comédia de costumes, uma variação de um grupo de mulheres desesperadas sempre à beira de um ataque de nervos.

Mas aos poucos, "Las Insoladas" afasta-se do retrato almodovariano, que costuma oferecer o universo feminino de um ponto de vista limitado ao imaginário gay.

Se os diálogos entre as primeiras personagens sugerem uma contraposição esquemática de tipos como a burra, a estudada, a sonhadora e a pé no chão, o filme não se detém muito nessa fórmula pronta.

A chegada de duas amigas no terraço desloca a trama para fora da unidade espacial e da uniformidade de gênero.

Enquanto as horas avançam, a temperatura sobe e os corpos se bronzeiam, as amigas arquitetam planos para além daquele encontro restrito. Vencer a competição de salsa à noite e juntar dinheiro para passar 14 dias num resort em Cuba abrem perspectivas naquele casulo ensolarado em que se juntaram.

Em torno desse segundo motivo, "Las Insoladas" revela ser, de fato, um filme sobre aprisionamento e evasão.

O cimento escaldante do terraço e a linha do horizonte bloqueada pelo muro de prédios não deixam muita dúvida de que o espaço de lazer não se distingue de uma zona de confinamento.

Os sonhos de classe média das personagens, dispostas a todo sacrifício para escapar, mesmo que por 14 dias, para onde a ideia de comunismo confunde-se com a de paraíso, revelam como o desespero tomou o lugar do projeto de melhorar o mundo.

Assim, mesmo que as músicas e a maldição do governo Menem situem a história na Argentina dos anos 1990, o modo como as personagens se nutrem de churros, alfajores e ilusão as torna tão próximas e identificáveis quanto os moradores do prédio ao lado.

LAS INSOLADAS

DIREÇÃO Gustavo Taretto
ELENCO Marina Bellati, Elisa Carricajo, Luisana Lopilato
PRODUÇÃO Argentina, 2014, 12 anos
QUANDO estreia nesta quinta (13)
AVALIAÇÃO bom

Reprodução da Folha de São Paulo.