quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Dirceu outra vez

A prisão de José Dirceu foi a menos surpreendente de quantas a Lava Jato faz desde março do ano passado. Se justificada ou não, vamos saber quando os integrantes da Lava Jato apresentarem em juízo o que veem como provas convincentes. A carga pesada de acusações apenas verbais, feitas pelo procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, desde logo criou uma imprecisão sujeita a reparo histórico e atual. Foi quando definiu Dirceu como "o instituidor e beneficiário" do "esquema" de corrupção na Petrobras.
Dizê-lo instituidor é aliviar de um grande peso acusatório os empreiteiros e ex-dirigentes da Petrobras que têm feito delação premiada e, por isso, são chamados pelos componentes da Lava Jato de "colaboradores". Ainda que não seja por deliberação, a transferência de responsabilidades, concentrando-as em um só, é como um prêmio adicional à delação já premiada.
A corrupção na Petrobras investigada pela Lava Jato seguiu o "esquema" praticado há décadas pelas grandes empreiteiras nas licitações e acréscimos de custo, em contratos com estatais e administração pública. Se houve um "instituidor" do "esquema", seu nome perdeu-se na desmemória do tempo.
Caso o Ministério Público e a Polícia Federal se dessem ao trabalho de verificações retroativas, tanto encontrariam histórias de honestidade como de vidas enriquecidas a partir de passagem por um cargo alto na Petrobras. Mas, no Brasil, nem por curiosidade é acompanhada a evolução das condições de vida de políticos e ex-dirigentes públicos.
Na geração atual dos funcionários elevados a dirigentes corruptos da Petrobras, Pedro Barusco, que é tido como o mais inteligente dos delatores premiados, já explicou que vem desde meados da década de 90, ao menos desde 1997, as transações com a atual geração de dirigentes de empreiteiras.
Também resulta como prêmio adicional aos delatores já premiados a ideia de que o "esquema na Petrobras repetiu o do mensalão". Um nada tem a ver com o outro. Na Petrobras, o dinheiro manipulado estava embutido no custo de obras e de serviços ou bens como sondas. No mensalão, os meios envolvidos foram banco e publicidade.
No caso pessoal de Dirceu, chama atenção a disparidade entre as toneladas de atribuições que o procurador Santos Lima lhe despeja e a sua espera quase passiva, em casa, pelos emissários da Lava Jato. Quem se soubesse autor de tantos e tão graves atos ilegais, e da gana de é que alvo, saberia também que o esperava uma condenação esmagadora. José Dirceu teve farta oportunidade de fugir. Com a experiência de quem entrou e viveu no Brasil da ditadura com rosto e nome mudados, e levou vida tranquila por anos, poderia evaporar por aí sem dificuldade.
José Dirceu ficou, à espera. Não quis fugir. Isto tem um significado. Não há como deixar de tê-lo. As suposições a respeito podem variar, sobretudo ao compasso das posições políticas, mas só o próprio Dirceu mostrará qual é. 


Texto de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo

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