domingo, 23 de agosto de 2015

Meio orgasmo

Parece que o tal Viagra feminino ou pílula cor-de-rosa, destinada a aumentar a libido e, por consequência, o prazer das mulheres, não é lá isso tudo. Todas as matérias que li essa semana comemoravam: "Já é um avanço! Vivemos em um mundo que só se preocupa com o prazer do homem!". Mas depois davam a real: "O resultado pode ser pífio". Alguns estudos mais aprofundados nos EUA dizem que o efeito do remédio, quando perceptível, "aumenta" a porcentagem de (apenas) MEIO ORGASMO por mês na vida sexual das moças.
O que seria um meio orgasmo, pelo amor de Deus? E por que tudo é mais complicado e difícil e "ainda não, mas quase" quando se trata de mulher? Enquanto o Viagra devolveu às ruas um número gigantesco de bisavôs entrevados, a tal droga flibanserin nos oferta um aumento de MEIO orgasmo? Por mês? É tipo "eita tá vindo, eita tá chegando, opa tô... Eu vou... Não, é mentira!!". É tipo "olha a cobra" na festa junina. Só que não. Que mundo injusto. Nem um orgasminho inteiro você conseguiu... E agora só mês que vem! Enquanto isso, no livro megacampeão de vendas de Andressa Urach, "Morri Para Viver", ela narra que o seu primeiro orgasmo foi com o cachorrinho de uma amiga. Nem todo mundo vende livros e goza com tanta facilidade. Benza Deus essas pessoas que têm os neurotransmissores e o mercado editorial jogando a favor.
A mesma preguiça que tenho do remédio ser rosa (sério que mulher só usa rosa? Que seremos definidas por uma cor fofura até na hora de trepar com mais qualidade?) tenho de quem vai reclamar disso (sério que mulher só usa rosa? Que seremos definidas por uma cor fofura até na hora de trepar com mais qualidade?). A mesma preguiça que tenho do nome VIAGRA feminino (sério que, pra falar de nós, precisamos antes falar de um homem?) tenho de quem vai reclamar disso (você já entendeu meu ponto). O mundo tá chato e, pra piorar, tem um remedinho aí, símbolo máximo da conquista sexual feminina nesse 2015, que aumenta nossas chances em MEIO orgasmo. Por mês.
Olha só que louca essa vida: mas as mulheres ainda têm que dar graças a Deus, porque pelo menos "estão pensando na gente"! Depois de centenas de remédios para o prazer do homem, enfim fizeram um PRA NÓS. É pegar o meio orgasmo, achar que é melhor que nada, e voltar mês que vem. Para os homens, o agrado começou na década de 90 e era algo mecânico: tomou, perdurou. O nosso agradinho esperou até 2015 e atua no cérebro, coisa bem mais complicada que um pinto (ainda bem! Por isso somos mulheres!). E não pode tomar junto com pílula (olha o atraso) e nem pode beber (olha o preconceito) e periga você desmaiar na hora H. Até a hora H tem "h" de homem, e maiúscula! Homem pode tudo!
Feministas, psicanalistas, repórteres, programas matinais que ensinam "o que são boas fezes", todos unidos pra comemorar as nossas chances em ter, com sorte, o fabuloso MEIO ORGASMO. Por mês. Pelo menos estão pensando na gente. Já é diferente dos tempos da minha avó. Já é diferente dos tempos da minha bisavó. Não sei se é tão diferente. Talvez uma campanha "se masturbe e transe com quem você está a fim sem medo de ser feliz" liberasse aí, pra mulherada, mais do que meio orgasmo por mês. Mas, enquanto o casamento fizer de nós "mulheres melhores", talvez nem meio orgasmo um remédio, com trinta anos de atraso, possa dar.


Texto de Tati Bernardi, na Folha de São Paulo

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