Fruto de pesquisa e investigação sobre homicídios cometidos pela Polícia Militar na cidade do Rio de Janeiro nos últimos dez anos, o relatório "Você Matou Meu Filho", lançado pela Anistia Internacional nesta segunda-feira (3), apresenta 20 recomendações para combater a violência policial, direcionadas aos governos estadual e federal, ao Congresso Nacional e ao MP-RJ (Ministério Público do Rio).
Com críticas ao que classificou como omissão por parte do MP, a Anistia pede que a instituição crie uma força-tarefa para dar "prioridade aos homicídios decorrentes de intervenção policial e concluir prontamente as investigações que ainda se encontram em andamento e levar os casos à Justiça". O relatório cobra ainda que o Ministério Público cumpra "com sua missão constitucional de exercer o controle externo da atividade policial".
As recomendações embasam petição internacional, também lançada pela ONG nesta segunda, reivindicando medidas urgentes da instituição e do governo do Estado.
Desenvolvido entre agosto do ano passado e junho deste ano com base em dados oficiais e entrevistas, o relatório aponta, por exemplo, que dos 202 procedimentos administrativos dos homicídios decorrentes de intervenções policiais abertos pela Polícia Civil em 2011, apenas um resultou em denúncia por parte do MP contra os PMs envolvidos. Deste total, 183 ainda estavam em andamento em abril deste ano --"no limbo"-- e 12 foram arquivados.
Segundo a Anistia, os dados foram obtidos por meio de uma fonte da própria corporação e o ano de 2011 foi escolhido por se considerar que quatro anos seria tempo suficiente para que os casos fossem levados à Justiça.
De acordo com o ISP (Instituto de Segurança Pública) do Rio, entre 2005 e 2014, foram registrados 8.466 homicídios decorrentes de intervenção policial no Estado --5.132 ocorreram na capital fluminense. Ao se debruçar sobre os dados oficiais disponíveis, a organização estimou que, em média, nos últimos cinco anos, este tipo de crime cometido por PMs representou 16% dos homicídios registrados na cidade.
No documento, de 90 páginas, a investigação criminal de homicídios decorrentes de intervenção policial é chamada de "falha e morosa, o que resulta na falta de responsabilização dos PMs envolvidos nos casos". A Anistia Internacional conclui ainda que a Polícia Militar "tem usado a força de forma desnecessária, excessiva e arbitrária, desrespeitando normas e protocolos internacionais sobre o uso da força e armas de fogo".
Segundo a organização, essas práticas "parecem estar amparadas nas diversas instituições do sistema de Justiça Criminal" e resultam em "diversas violações dos direitos humanos e em um número elevado de vítimas fatais, que são em sua maioria homens jovens e negros". Outra conclusão do relatório foi que o registro de mortes nestas situações como "homicídio decorrente de intervenção policial" ou "autos de resistência" são usados frequentemente para encobrir casos de execuções extrajudiciais.
Governo estadual deve garantir investigações
Destinatário de metade das recomendações, o governo do Rio de Janeiro, responsável pelas polícias Militar e Civil, foi orientado a garantir todos os meios necessários para a realização de "uma investigação completa, independente, célere e imparcial" de todos os casos de homicídio cometidos por PMs, determinando, por exemplo, que eles sejam apurados não pela delegacia da área, como acontece hoje, mas pela Divisão de Homicídios da Polícia Civil --"que deve ser equipada e capacitada para tal".
A Anistia Internacional apela ainda para que as autoridades estaduais suspendam as atividades dos PMs envolvidos em qualquer ação que resultar em morte até o fim de cada investigação, controlem o uso de armas de fogo de alta potência, como fuzis, e automáticas durante operações em favelas e outras áreas densamente povoadas, e invistam em segurança pública e programas de proteção a testemunha e defensores de direitos humanos, oferecendo apoio psicossocial a familiares das vítimas de violência policial.
Destacado no documento, o relato de um especialista em segurança pública ouvido pela Anistia --não identificado pela ONG-- ajuda a explicar por que os índices de homicídios cometidos pelos agentes de segurança são tão significativos: "Se você não acompanha, não faz nada, esse policial vai se sentir o justiceiro, o super-herói do Rio de Janeiro. Ele acredita piamente que tem que matar mesmo. Esse policial acha que está fazendo o bem para a sociedade".
Ao longo do relatório, são apresentados relatos de ameaças a moradores, testemunhas e defensores de direitos humanos, alteração das cenas dos crimes, invasões de domicílios, furtos e agressões físicas, entre outras irregularidades.
Entre as recomendações ao Governo Federal, está o pedido de que o Executivo lidere um Programa Nacional de Redução de Homicídios que inclua metas para a diminuição de mortes decorrentes de intervenções policiais e garanta o cumprimento da Resolução nº8 de 20/12/2008, que impede a utilização de termos genéricos como "auto de resistência" e "resistência seguida de morte" em registros policiais.
Para o Congresso Nacional, uma das três recomendações foi a aprovação do projeto de lei 4471/2012, que modifica o Código de Processo Penal e estabelece procedimentos para a perícia e investigação obrigatória das mortes e lesões cometidas por agentes do Estado, como policiais, durante o serviço.
Reprodução do UOL Notícias.
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