segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Vazamento premiado e o fator Youssef

Novembro/dezembro de 1989: com a possibilidade de um candidato metalúrgico chegar ao poder, a elite dominante se uniu para fechar a porta do Planalto. A empreitada produziu momentos inesquecíveis da baixaria eleitoral.
Primeiro foram atrás de uma ex-mulher de Lula para "acusá-lo" de defender o aborto. Não bastou. Com a ajuda da polícia paulista, o sequestro do empresário Abilio Diniz foi atribuído a grupos internacionais supostamente simpáticos ao PT. Fotografias de sequestradores com a camiseta do partido circularam sorrateiramente, de preferência nem tanto.
Também era pouco. Faltava a televisão. Numa edição que o então diretor de jornalismo da TV Globo, Armando Nogueira, admitiu anos depois ter sido enviesada, o debate entre Lula e Collor carregou nas tintas em favor do autointitulado caçador de marajás. Para fechar o cerco, denúncias de fraude em massa na Bahia foram sufocadas para selar a vitória de Collor. O resto é de todos conhecido.
Setembro/outubro de 2014: numa sucessão galopante, "denúncias" e mais "denúncias" aparecem para tentar provar que o governo petista não passa de uma quadrilha de saqueadores. A origem são as tais delações premiadas, diante das quais dispensam-se provas ou evidências cabais. O réu fala o que quiser, e seria um sinal de retardo mental acreditar que vá falar algo em seu prejuízo.
Basta ver as reportagens. Os verbos mais usados são indicam, sugerem, supõem, fazem crer, sinalizam –tudo com muito cuidado para, ao mesmo tempo, espalhar a dúvida e escapar de processos. Chega-se ao ponto de acusar o ex-ministro Antonio Palocci de pedir a doleiros recursos para a campanha de Dilma. Mas a mesma reportagem reconhece não haver provas de que o dinheiro jorrou. Lembra aquela outra peça de ficção, assinada por um hoje influente assessor de governo tucano, que acusava petistas de ganhar por fora, mas declarava, ao mesmo tempo, não ter condição de confirmar ou desmentir as próprias afirmações transformadas em capa! Nota: nada foi comprovado.
O clima agora é parecido, mas os personagens atrapalham a oposição. O frisson do momento é a delação premiada de Alberto Youssef. Mas quem é Youssef? Um mergulho num passado não tão distante mostra que ele foi um dos doleiros usados pelo então operador do caixa do PSDB, Ricardo Sérgio, para "externalizar", num linguajar ao gosto da legenda, propinas da privatização selvagem dos anos 1990.
Youssef é velho de guerra tanto em delitos com em delação premiada. Já fez uma em 2004, na época da CPI do Banestado, quando se comprometeu a nunca mais sair da linha. O tamanho de sua confiabilidade aparece em sua situação atual. Está preso de novo. Quem diz é o Ministério Público: "Mesmo tendo feito termo de colaboração com a Justiça (...), voltou a delinquir, indicando que transformou o crime em verdadeiro meio de vida." É num sujeito com tal reputação que oposicionistas apostam suas fichas.
Resumo da ópera: sem investigação a fundo, nada vale. Espera-se que a esdrúxula teoria do domínio do fato tenha sido enterrada na gestão Joaquim Barbosa, atualmente mais preocupado com tarifas telefônicas. Goste-se ou não, o bueiro escavado em governos pregressos e nas privatizações feitas no "limite da irresponsabilidade" está sendo aberto pelas administrações petistas. Talvez por isso Dilma tenha deslanchado nas pesquisas, enquanto Marina e Aécio (com aquele ar de falsa virgem já inúmeras vezes deflorada) patinam nas intenções de voto. 


Texto de Ricardo Melo, na Folha de São Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário