sábado, 13 de setembro de 2014

Milícias aterrorizam mulheres na Colômbia

Milícias aterrorizam mulheres na Colômbia

Trabalho com vítimas de abuso sexual realizado por ONG do país é reconhecido pela ONU
GUILHERME MAGALHÃESDE SÃO PAULO

Foi pensando em fugir da violência do conflito armado entre governo e grupos paramilitares que Luz Dary Santiesteban abandonou a vila onde morava no noroeste da Colômbia, destruída pelas guerrilhas, para morar em Buenaventura.
A cidade portuária de 330 mil habitantes no litoral oeste da Colômbia, hoje uma das mais violentas do país, mudou a vida de Luz Dary.
Em 2004, quatro paramilitares apareceram em sua casa, no bairro de La Gloria, um dos mais pobres da cidade, para violentar sua filha de 10 anos.
"Eu disse para que não a tocassem, que podiam fazer comigo o que quisessem. Eu tinha de defendê-la. Eles começaram a rir. Colocaram uma arma na minha cabeça enquanto me estupravam, um por um", diz Luz Dary.
"Eu não era a única estuprada em La Gloria. Eles usaram nossos corpos como controle territorial", acrescenta.
Após fugir de Buenaventura, somente no ano passado Luz Dary retornou à cidade, onde foi amparada pela ONG (organização não governamental) Rede Borboletas.
Criada em 2010, a ONG já ajudou mais de 1.000 mulheres vítimas da violência do conflito armado, iniciado há 50 anos pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
O nome da ONG, explica uma das coordenadoras, Maritza Asprilla, é uma referência à "metamorfose que as borboletas realizam".
O trabalho de orientação jurídica e acompanhamento das vítimas de abuso sexual levou o Acnur (Alto Comissariado da ONU para os Refugiados) a conceder o Prêmio Nansen para Refugiados 2014 à ONG colombiana.
"O mais importante é fazer com que a mulher entenda que o que aconteceu não é culpa dela", afirmou Maritza à Folha, por telefone. No próximo dia 29, ela e mais duas coordenadoras das Borboletas receberão o prêmio de US$ 100 mil em Genebra.
"Essas mulheres fazem um trabalho extraordinário no mais desafiador dos contextos", afirma o diretor do Acnur, António Guterres.
Segundo dados do governo colombiano, 80% dos moradores de Buenaventura vivem em situação de pobreza. O porto da cidade é considerado estratégico pelo narcotráfico, comandado na região por duas milícias --Urabeños e A Empresa.
Em 2013, o bispo local organizou uma marcha pela paz que passou por vários bairros da cidade e terminou numa quadra poliesportiva.
No dia seguinte, as milícias deixaram na quadra a cabeça de um jovem de 23 anos, e espalharam partes do corpo pelos bairros que participaram da passeata.
De acordo com o Acnur, a Colômbia é o segundo país no mundo em número de deslocados internos (5,7 milhões), atrás apenas da Síria, que há três anos vive em guerra civil.
Ao ser questionada sobre a ajuda do Estado no combate à violência contra as mulheres, Mery Medina, outra coordenadora da ONG, responde: "É nula. Tanto o governo nacional quanto o local. Eles não aplicam a lei, ela existe somente no papel".
"Por meio da Rede tenho me fortalecido", conta Luz Dary. "Quando eu relatei o crime, foi como tirar um câncer que me consumia."
Ainda que a maioria dos crimes em Buenaventura permaneça impune, Luz Dary tem esperança."Eu acredito na justiça divina."


Reprodução da Folha de São Paulo


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