quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Patrono da Feira de Porto Alegre editou livro racista e em defesa dos torturadores

Aírton Ortiz foi um editor dinâmico, dono da editora Tchê. Publicou obras de todos os tipos. Uma delas, lançada em 1985, chama a atenção. Chama-se “Brasil sempre”, do sargento do exército e membro do DOI-CODI  Marco Pollo Giordani, e destaca-se por defender o SNI, os torturadores do regime militar e por se apresentar como um contraponto a “Brasil: nunca mais”, obra de referência na denúncia aos crimes da ditadura brasileiro organizada, entre os outros, por D. Evaristo Arns.
“Brasil sempre” tem um capítulo sobre os brasileiros. O conteúdo é escancaradamente racista. Giordani escreve assim no livro: “Penso que o negro, o índio e o mestiço, com esporádicas exceções – e lhes destacando as virtudes afetivas – são castas de rendimentos inferiores. Não quero entrar no campo discriminatório. Meu raciocínio são emanações da realidade”.
Não satisfeito com essa afirmação, que o editor não se constrangeu em publicar, o autor diz mais: “Quando contemplo famílias inteiras de brasileiros – mais precisamente os chamados ‘pelos-duros’ – buscarem alimentos nos lixos das cidades, amontoarem-se pelas margens fétidas de canais de esgotos ou debaixo de pontes, inicialmente não penso num abandono público, mas baseado na luta que tive para vencer na vida, estou convencido da existência de uma escala axiológica hierarquizando padrões raciais”.
Dissertando sobre os nordestinos brasileiros, o autor indaga: “Interessa a quem, pergunto, essa multidão de crianças atrofiadas, com irreversíveis sequelas cerebrais?”. Uma linha antes, falando sobre a pujança japonesa, assegura: “Evidentemente, é um problema racial, educacional e filosófico – eis os três requisitos para a formação de uma elite”.
No papel de planejador do futuro, Giordani aconselha: “Urge, imprescindivelmente, a busca de dois caminhos indesviáveis: um rigoroso controle de natalidade – fundamentalmente nas regiões mais pobres e periféricas dos grandes centros – para que possamos, a longo prazo, obter uma raça mais qualificada…”
O Jornal do Brasil, que apoiou a ditadura, não se conteve ao analisar o texto de Giordani publicado por Ortiz: “Um livro que elogia e valoriza o trabalho e o poder político da comunidade de informações, especialmente do SNI…” A Folha de S. Paulo, que até hoje relativiza os estragos do regime militar, que chama de “ditabranda”, concedeu: “Giordani diz que não pretende contestar o relato das vítimas da esquerda, mas mostrar a parte esquecida”. O autor é bem claro, escreveu o seu livro para contestar a edição de “Brasil: nunca mais”, “faccioso relato de um pretenso grupo de especialistas”. Só isso.
“Brasil sempre” mostra um autor feliz com seus anos de DOI-CODI, indignado com a igreja progressista e cheio de louvações para alguns: “O Brasil construiu o maior e mais poderoso Serviço de Informações de todo o continente sul-americano. Presto aqui uma homenagem a seu idealizador, o inteligente general Golbery do Couto e Silva”
É um livro racista.
Será relançado nesta sexta-feira, por conta do autor, na Livraria Cultura.
É uma vergonha para Feira do Livro de Porto Alegre, que nos 50 anos do golpe militar, ele homenageie o editor de uma obra racista e em defesa dos aparatos de repressão e de tortura. A Câmara Rio-Grandense do Livro jogou bola fora.


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