quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Coreia do Sul censura artista crítico ao governo

Coreia do Sul censura artista crítico ao governo

Por CHOE SANG-HUN

GWANGJU, Coreia do Sul - Quando 250 estudantes sul-coreanos morreram no naufrágio do navio Sewol, em abril deste ano, o artista Hong Sung-dam criticou a elite política e empresarial que considera ser responsável pelo desastre, expressando seu protesto em arte.
Mas sua tela de 10 m x 2 m, que inclui uma caricatura da presidente Park Geun-hye, foi retirada do mais conhecido festival internacional de arte da Coreia do Sul, numa espécie de censura normalmente reservada aos acusados de dar apoio à Coreia do Norte.
"É um insulto absurdo a um artista", disse Hong, falando do tratamento dado à sua pintura, em que a presidente é retratada como marionete controlada por seu pai, já morto, que liderou o país por quase duas décadas depois de arquitetar um golpe de Estado.
"O que fizeram comprova o que eu tentei mostrar na pintura. Sob a égide de Park Geun-hye, o país está revertendo às velhas práticas da era de seu pai, reprimindo a liberdade de expressão."
Desde o desastre do navio o governo de Park vem sendo criticado, primeiro pelo esforço de resgate mal feito e depois por resistir a uma investigação independente pedida pelas famílias das vítimas para apurar a reação à emergência e as falhas do sistema regulatório que, para muitos, ajudaram a causar o naufrágio.
A pintura mostra o navio ao centro, de ponta-cabeça. Duas figuras enormes o içaram da água, e, num final feliz imaginário, os passageiros estão emergindo da embarcação, sorrindo e acenando. A cena é cercada por uma série fantasmagórica de imagens politicamente carregadas da história sul-coreana, algumas delas relativas à época do governo militar.
Os líderes de Gwangju defenderam sua recusa em permitir que o quadro seja exposto no festival, a Bienal de Gwangju.
"Pedimos a exclusão da tela de Hong devido à sua intenção política explícita de parodiar a presidente", disse o vice-prefeito da cidade, Oh Hyeong-guk.
Para Hong, o pintor de 59 anos, a disputa em torno de sua tela representa o enfrentamento mais recente numa longa batalha com forças repressoras que, para ele, continuam em ação.
Em sua juventude ele estudou arte em Gwangju, que na década de 1960 era um centro de ativismo contra a ditadura de Park Chung-hee, o pai da presidente Park. A esperança de que a morte de Park Chung-hee levasse à democratização do país não demoraram a ser sufocadas quando o poder foi tomado por um de seus protegidos, o general Chun Doo-hwan. Gwangju explodiu em protestos. Em maio de 1980 o regime enviou tanques e soldados paraquedistas para a cidade, matando centenas de manifestantes.
A pintura "Sewol Owol" alude ao desastre do navio, o Sewol, e às mortes de 1980 em Gwangju ("owol" significa maio, o mês em que o massacre ocorreu). Hong testemunhou o massacre em Gwangju e viveu em Ansan, a cidade de onde vieram os estudantes que morreram no naufrágio do Sewol. Uma desses estudantes, uma colegial de família pobre, trabalhava em tempo parcial em seu ateliê.


Reprodução de reportagem do The New York Times, na Folha de São Paulo

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