terça-feira, 23 de setembro de 2014

Não sou feliz, mas tenho marido

Após uma palestra que dei no Rio de Janeiro, um casal veio conversar comigo. O marido disse: "Quando você falou da pirâmide da solidão e do mercado matrimonial onde sobram muitas mulheres, percebi que sou, aos 50 anos, um bem muito raro, valioso e disputado pelas brasileiras". Em tom jocoso, ele disse para a esposa: "Você tem que me tratar muito melhor agora porque descobri que falta homem no mercado na minha faixa etária". Ela, bastante sem graça, concordou: "É verdade, você é o meu capital marital".
Brincadeiras à parte, muitas brasileiras afirmam que sofrem preconceito por não serem casadas. Elas se sentem desvalorizadas ou até mesmo fracassadas por não terem o tal do "capital marital".
Uma engenheira de 37 anos me contou:
"Viajo sozinha para todos os lugares do mundo, vou a teatros, shows, restaurantes e nunca me senti discriminada. Mas aqui no Brasil eu desisti de sair sozinha. Se vou a um restaurante chique, sou olhada como se fosse uma pobre coitada, especialmente pelas mulheres. Até os garçons me tratam de uma forma diferente. Chega a ser cruel."
Mesmo aquelas que preferem viver sozinhas relatam inúmeras situações de constrangimento, como uma dentista de 41 anos:
"Quando vou ao cinema, tenho pavor de encontrar alguma cliente com o marido e ela me ver sozinha. Não consigo compreender por que tenho tanta vergonha, já que gosto de viver assim e nunca quis me casar. É como se eu tivesse fracassado como mulher."
Elas mostram que a aprovação dos outros é tão importante que muitas preferem continuar em casamentos infelizes a enfrentar o olhar preconceituoso que existe sobre as mulheres sozinhas.
Uma médica de 47 anos disse:
"Eu me sinto muito mal quando preciso ir a festas, casamentos ou reuniões sociais. Minhas amigas podem estar insatisfeitas com seus casamentos, mas, pelo menos, têm um marido para essas situações. Vi uma peça com a Zezé Polessa que retrata bem essa realidade tacanha: Não sou feliz, mas tenho marido'."
Será que as mulheres brasileiras percebem que, ao acreditar que o marido é um capital, estão alimentando essa triste e preconceituosa mentalidade? E que, pior ainda, estão reproduzindo a lógica da dominação masculina e restringindo as escolhas femininas?


Texto de Mirian Goldenberg, na Folha de São Paulo

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