Escalada do conflito líbio pode prenunciar longa guerra civil
Por DAVID D. KIRKPATRICK
TRÍPOLI, Líbia - "O fogo está dentro do aeroporto!", gritou um miliciano enquanto disparava um canhão antiaéreo na direção da pista do principal aeroporto internacional da Líbia. "Deus é grande, as labaredas estão subindo!"
"Intensifique os disparos", respondeu seu comandante, Salah Badi, um islâmico ultraconservador e ex-legislador da cidade costeira de Misurata.
O ataque de Badi ao aeroporto em julho acabou arrastando milícias, tribos e cidades para um conflito generalizado que ameaça se tornar uma longa guerra civil. Ambos os lados o consideram parte de uma luta regional maior, motivada pelo temor de uma retomada do autoritarismo repressivo ou de uma guinada para o extremismo islâmico. Três anos após a queda e a morte do coronel Muammar Gaddafi, apoiadas pela Otan, a violência ameaça transformar a Líbia em um bolsão caótico que poderá desestabilizar o norte da África nos próximos anos.
O conflito abriu novas oportunidades para o Ansar al-Shariah, o grupo islâmico radical envolvido no ataque à missão diplomática americana em Benghazi em 2012.
Os apoiadores de Badi dizem que seu ataque foi um golpe preventivo visando a contrarrevolução inspirada no golpe militar no Egito e apoiada por seus aliados conservadores: a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos.
Segundo reportagens de 25 de agosto, o Egito e os Emirados fizeram dois ataques aéreos contra os islâmicos radicais em Trípoli.
Os adversários de Badi dizem que ele é apenas a face visível de um grupo islâmico radical nos moldes do Estado Islâmico, que tem o apoio da Turquia e do Qatar. Ambos os lados partilham uma visão conservadora, porém democrática. Todavia, a Líbia está se esfacelando à medida que cidades e tribos se posicionam a favor de um dos lados.
Trípoli, a capital e grande troféu, tornou-se um campo de batalha. Além da destruição do aeroporto, tiroteios constantes entre milícias rivais esvaziaram bairros e mataram centenas de pessoas. Os apagões diários às vezes duram 12 horas e os preços dos alimentos dispararam. Em Benghazi, o conflito fechou o aeroporto e o porto marítimo, deixando a cidade isolada.
O Ansar al-Shariah vem ganhando terreno, pois outras milícias e facções estão fazendo alianças com antigos rivais contra inimigos comuns. A ONU e as potências ocidentais retiraram seus diplomatas.
Os primeiros anos após a queda do coronel Gaddafi foram melhores, disse Hisham Krekshi, ex-vereador em Trípoli. "A situação atual é de guerra e muitas pessoas inocentes estão morrendo."
Durante algum tempo houve um tênue equilíbrio de poder entre brigadas locais. Em maio, porém, um ex-general traidor, Khalifa Hifter, disse que tomaria o poder à força para livrar a Líbia dos islâmicos, começando por Benghazi. Ele prometeu erradicar os integrantes do Ansar al-Shariah, que havia sido responsável por uma série de bombardeios e assassinatos.
O general Hifter também prometeu fechar o Parlamento e prender islamitas moderados. Ele comanda uma pequena frota de helicópteros e aviões de guerra que tem bombardeado bases rivais em torno de Benghazi.
Em reação, uma ampla aliança de milícias de Benghazi, que agora inclui o Ansar al-Shariah, denunciou moderados relativos, inclusive a Irmandade Muçulmana da Líbia. "Não aceitaremos o projeto de democracia, partidos seculares, nem os partidos que fingem apoiar a causa islâmica", informou um comunicado. "Eles não nos representam."
Aumentando as tensões, o recém-eleito Parlamento anunciou planos para se reunir em Tobruk, cidade no leste sob o controle do general. No entanto, cerca de 30 membros, em sua maioria islâmicos ou misuratanos, se recusaram a comparecer.
Combatentes e tribos que lutaram em lados opostos durante o levante contra o coronel Gaddafi agora estão se unindo na nova luta contra os islâmicos.
"A questão não é mais ser pró ou contra Gaddafi, o que está em jogo é a Líbia", disse um ex-oficial de Gaddafi que retornou da Tunísia. Ele estava em uma casa da guarda repleta de combatentes zintanis que eram seus antagonistas três anos atrás.
Por trás da batalha contra "extremistas", disse ele, há uma luta étnica mais profunda: as tribos de ascendência árabe, como os zintanis, contra aquelas de origem berbere, circassiana ou turca, como os misuratis. "A vitória será das tribos árabes", afirmou ele.
Em Zintan, líderes locais disseram que Badi personifica a ameaça extremista. Em Misurata, líderes sugeriram que cidades adversárias estão sob o domínio de forças armadas leais a Gaddafi e precisam ser libertadas.
Em outros lugares, alguns combatentes disseram não acreditar que as cidades rivais possam conviver como uma nação unificada.
Diante dos danos que Trípoli já sofreu, o combatente Amr el-Taher el-Sayed se queixou: "Os líbios viraram monstros".
Reprodução de reportagem do The New York Times, na Folha de São Paulo.
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