domingo, 21 de setembro de 2014

As falsas discussões sobre a independência do Banco Central

A discussão sobre a independência do Banco Central é das mais inócuas produzidas pela atual campanha eleitoral.
Marina Silva e Aécio Neves propõem a independência do Banco Central; Dilma Rouseff rebate, garantindo que seria colocar o BC a serviço dos banqueiros. Os economistas do outro lado reagem, o Procurador Geral da República sustenta que a afirmação de Dilma pode trazer intranquilidade geral. Nessa barafunda irrestrita, não se discute apenas o essencial: o papel do BC.
Com independência de direito ou de fato, há muito o BC deixou de ser um instrumento eficaz de políticas públicas. Com Armínio Fraga (FHC), Henrique Meirelles (Lula) ou Alexandre Tombini (Dilma) foi incapaz de criar um mercado de crédito de longo prazo, corrigir práticas viciadas do período da hiperinflação, desobstruir os canais de crédito para garantir um mínimo de eficácia ao uso da taxa Selic, e sofisticar suas análises para mirar dois alvos comuns a qualquer BC desenvolvido: preços e emprego.
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A maneira como atua sobre a inflação é deletéria.
Vale-se exclusivamente do canal de juros. Aumenta a expectativa de inflação, ele aumenta a Selic mais que proporcionalmente. Nesse movimento, os detentores de títulos de renda fixa ganham com a inflação, à custa do aumento da dívida pública, atrai capital especulativo para se beneficiar dos juros, apreciando o câmbio.
Há um bom acervo de trabalhos acadêmicos mostrando que os canais de transmissão dos juros não funciona no país., O aumento da Selic não afeta o crédito ao consumidor - devido à diferença de nível entre as taxas. Mas afeta os investimentos ao influir nas taxas de juros de longo prazo.
Amplia o custo da dívida pública na veia, no maior pagamento de juros e também no diferencial entre o custo de carregamento da dívida e as taxas de juros do crédito direcionado e dos financiamentos do BNDES.
O único efeito sobre os preços se dá através da apreciação cambial, com todas as contraindicações conhecidas.
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Desde a implantação  do sistema de metas inflacionárias, em nenhum momento o BC cuidou de desobstruir esses canais. Contentou-se com o trabalho burocrático de montar simulações de inflação e garantir o ganho desproporcional dos investimentos, tanto maior quanto maior a expectativa de inflação.
Nos últimos anos, o único avanço obtido - a redução dos spreads bancários - deu-se pela competição dos bancos públicos, não pela atuação do BC.
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No exercício dos instrumentos de metas inflacionárias, o BC conseguiu transformar o rentista em sócio da inflação; impediu a reciclagem da poupança para capital de risco; desestimulou os ganhos de escala das grandes corporações, fazendo-as se contentar com os ganhos de tesouraria.
Não é à toa que em cada relatório da Focus (o sistema semanal de levantamento de expectativas do mercado) há quase uma celebração a cada aumento de expectativa da inflação.
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A discussão profícua deveria ser sobre a maneira real de combater a inflação, as mudanças na dívida pública, a redução da indexação, o uso de instrumentos tradicionais de controle de choques de oferta (estoques reguladores).
Não esse jogo retórico que, se mantido, manterá o BC no espírito mediocrizado de sempre, independentemente de quem seja o próximo presidente.
A submissão do BC ao mercado se dá pelas regras de atuação a que está submetido, não pela independência operacional ou formal.

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