terça-feira, 9 de setembro de 2014

Historiador reconta paixão de estadista americano pelo Brasil


Historiador reconta paixão de estadista americano pelo Brasil

Focado em Nelson Rockefeller, livro refaz investida dos EUA em solo nacional
Rockefeller se tornou uma rara voz na elite americana a acreditar no Brasil e a criticar o descaso de seu governo, que engavetava parcerias
RAUL JUSTE LORESDE WASHINGTON

Em "O Amigo Americano --Nelson Rockefeller e o Brasil", o historiador Antonio Pedro Tota recupera o protagonista de um raro momento histórico: o breve período em que os EUA lançaram uma ofensiva de charme sobre o Brasil para ganhar um aliado na Segunda Guerra Mundial, com investidas políticas, econômicas e culturais, e que, em sua maior parte, foi bem recebida, sem resistência ao "imperialismo" americano.
Rockefeller aprendeu a falar espanhol e fazia discursos em português (escritos de forma fonética para ele não errar a pronúncia), gostava mais de futebol brasileiro que do americano (e até jogava) e se tornou uma espécie de conselheiro, investidor e mecenas para boa parte da elite brasileira com quem se encontrou nas viagens ao país.
O livro também é uma crônica da desilusão provocada quando esse interesse pelo grande país da América do Sul se esvaiu. Ainda que Rockefeller tenha mantido seu interesse e muitos amigos no país, mesmo quando o governo americano já tinha passado a priorizar a Europa, o Oriente Médio e a Ásia após a Segunda Guerra, ou quando sua carreira política deslanchou (foi quatro vezes governador do Estado de Nova York e vice do presidente Gerald Ford. Tentou por três vezes, sem sucesso, ser candidato presidencial).
Rockefeller se tornou uma rara voz na elite americana a acreditar no Brasil e a criticar o descaso de seu governo, especialmente quando as promessas de parceria feitas durante o esforço da Segunda Guerra foram engavetadas após o fim do conflito.
Herdeiro de John D. Rockefeller, o homem mais rico do mundo no início do século 20, fundador da gigante do petróleo Standard Oil, Nelson Rockefeller (1908-1979) se aproximou da América Latina com um misto de espírito de aventura, radar para novos negócios e fervor missionário para combater simpatias inicialmente nazistas e, depois, comunistas nos vizinhos ao sul dos EUA.
O empresário se tornou chefe de um departamento do governo do democrata Franklin D. Roosevelt para promover a política de "boa vizinhança" com a América Latina. Pouco depois, viraria subsecretário de Estado para a região. O bilionário trabalhava por US$ 1 ao ano.
Rockefeller conheceu cedo a arrogância americana com os vizinhos do Sul ao visitar uma de suas empresas, uma petrolífera na Venezuela. Familiares de executivos que viviam ali há 12 anos não falavam espanhol nem tinham interesse em aprender. Nos banheiros havia placas que ordenavam: "Toalete exclusivo para americanos".
Se nas suas empresas conseguiu acabar com essa segregação e mandar professores de espanhol para a Venezuela, não conseguiu evitar as gafes das produções hollywoodianas da época, como o primeiro desenho com Zé Carioca, em que Walt Disney vestiu o malandro do Rio de Janeiro como um mexicano.
As gafes americanas são vizinhas, no livro, da confusão típica nos trópicos entre relações profissionais com intimidade excessiva. Há diversos causos: do filho de Getulio Vargas pedindo ajuda em seu divórcio da alemã Inge (espionada pelo governo americano, a pedido de Nelson) aos inúmeros pedidos de auxílio e empréstimo.
Heitor Villa-Lobos pediu ajuda no tratamento de câncer nos EUA, um quarto a mais no hospital para a sua esposa e um empurrão para conseguir concertos. Assis Chateaubriand o coroou com um cocar florido em uma festa como "guerreiro tupinambá". Houve dezenas de pedidos de empréstimos.
Presidente do MoMa (Museu de Arte Moderna) de Nova York, erguido em terreno de sua família, Rockefeller participou (com consultoria e doações de obras de arte) da criação do Masp, dos MAM (museus de arte moderna) de São Paulo e do Rio, e da Bienal, sendo interlocutor dos rivais Chateaubriand e Ciccillo Matarazzo.
Criou grupos de estudo sobre o desenvolvimento brasileiro e não surpreende que memorandos produzidos a seu pedido sejam tão atuais. "O problema da agricultura brasileira é a logística, a distribuição e a infraestrutura de transporte". Em 1947, outro estudo sugeriu que Congonhas não tinha como crescer e que São Paulo precisava de um novo aeroporto.
As 400 páginas do livro parecem poucas para se aprofundar em tantas empreitadas do empresário no Brasil, de produção de café e milho à criação dos supermercados Makro e da confecção de roupa masculina Garbo.
Há escorregões pontuais ("Brazil builds", célebre exposição sobre a arquitetura moderna brasileira em Nova York, virou "Brazil builders"; a filha do chanceler Oswaldo Aranha, Zazi, virou Zizi), mas o livro se beneficia da pesquisa nos bons arquivos da Fundação Rockefeller, que guardou toda a sua correspondência. Em 1979, quando morreu, "o amigo americano" já era personagem quase esquecido no Brasil.

O AMIGO AMERICANO - NELSON ROCKEFELLER E O BRASIL
AUTOR Antonio Pedro Tota
EDITORA Companhia das Letras
PREÇO R$ 59,50 (480 págs.)
AVALIAÇÃO bom

Reprodução da Folha de São Paulo

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