De quatro em quatro anos, ocorre no Brasil um fenômeno interessante. Ele poderia ser chamado de: "estação das cerejas vermelhas".
Por volta no mês de agosto dos períodos pré-eleição presidencial, aparecem cerejas muito vermelhas, quase protorevolucionárias, vindas de árvores governistas que pareciam há muito dar apenas os conhecidos frutos amargos da austeridade.
Então, quase que em um passe de mágica, começamos a ouvir na campanha eleitoral discursos com sabores proibidos de luta de classe, diatribes contra o sistema financeiro, promessas de investimento massivo em educação pública.
Mutações incríveis ocorrem, como governos que permitiram os mais fantásticos lucros bancários da história, alimentando o sistema financeiro com títulos da dívida pública e juros exorbitantes, apresentarem os bancos como inimigos do povo.
Tudo muito bonito.
Infelizmente, a estação das cerejas vermelhas termina de forma abrupta no dia 27 de outubro, logo após a consagração do segundo turno das eleições presidenciais. Então as árvores voltam a dar os frutos cinzas que todos conhecem.
Esta é a situação cômica na qual a política brasileira atualmente se encontra. Os mais sagazes sabem que as eleições presidenciais se ganham flexionando o discurso à esquerda. Já esta Folha demonstrou, em uma pesquisa do ano passado, que, em temas econômicos como a função do Estado no crescimento e na viabilização de serviços públicos, leis trabalhistas e garantias sociais, o eleitor brasileiro tende à esquerda.
Neste sentido, ai daqueles que acreditam poderem embalar os sonhos das manifestações de junho vestindo o figurino de uma Margaret Tatcher da Floresta, ou seja, prometendo o futuro com aquelas ombreiras medonhas da década de oitenta. Eles não herdarão o reino do cerrado candango.
No entanto, como todos no fundo sabem que esta é apenas uma estratégia eleitoral, já nos preparamos para quando a estação das cerejas vermelhas passar. Pois chegamos em um momento no qual o discurso de esquerda permaneceu como referência de combate na política, mesmo que sem atores na cena principal.
No momento de desespero, alguém vai à frente e começa a falar como há muito não víamos. De toda forma, há algo de brechtiano em pessoas que vêm à cena para enunciar proposições que todos sabem que, no fundo, elas não acreditam mais.
Dá um efeito interessante e quase onírico de distanciamento.
Texto de Vladimir Safatle, na Folha de São Paulo.
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