Uma garota de programa faz sucesso com um blog e transforma suas experiências na cama em um livro. Se há quase dez anos quem assumia o papel de prostituta-escritora era Bruna Surfistinha, agora é a vez de Lola Benvenutti, que acaba de lançar "O Prazer é Todo Nosso". A autora de 22 anos, no entanto, traz ao mundo literário uma experiência diferente de sua antecessora.
Lola --que, na verdade, se chama Gabriela Natalia Silva-- conseguiu juntar as duas coisas que mais gosta na vida: o sexo e a literatura. Formada em Letras pela Universidade Federal de São Carlos, no interior de São Paulo, ela revela que está preocupada com a crítica e com a maneira que os leitores receberão seu livro de estreia. "Há um peso maior quando algo é escrito por uma pessoa formada em Letras", diz ela, em entrevista ao UOL.
"O Prazer é Todo Nosso" sai com uma aposta grande da editora Mosarte, com tiragem inicial de 10.000 exemplares. O paralelo com Bruna Surfistinha e seu "O Doce Veneno do Escorpião", no entanto, é inevitável. Enquanto a veterana é mais detalhista em seus relatos e vai a fundo nos pormenores, assumindo a vertente pornográfica da obra, a novata se preocupa em refletir sobre cada cena presente em seu livro. Em comum, ambas assumem que, além do sexo, precisam fazer as vezes de analista de diversos clientes.
O livro de Lola traz uma série de histórias que se passam em sua maioria na cama, pontuadas por um tom que mistura o professoral e uma espécie de autoajuda sexual. "Quis levar um olhar intenso para as relações, que vai além do sexo. Passei um ano escrevendo, procurei problematizar questões da sexualidade, refletir sobre o ato em si, sobre o prazer. É importante fazer com que as pessoas se permitam viver novas experiências".
Entre situações inusitadas, como ser contratada para satisfazer cinco amigas enquanto os maridos viajavam a trabalho, Lola também revela momentos de ajuda aos próximos: um casal que tenta retomar o tesão mútuo, uma mulher que quer chegar ao orgasmo pela primeira vez na vida e um rapaz com clara inclinação homossexual a se permitir experiências com pessoas do mesmo sexo.
Lola diz que não há uma linha de ficção em seu livro e garante que viveu todas as histórias da maneira que estão contadas, como a história em que participou de um swing com 15 casais em uma festa fechada em Ribeirão Preto. "Quando estavam me levando para aquele lugar, completamente isolado, misterioso, eu realmente achei que ia morrer", relembra ela, fazendo referência ao filme "De Olhos Bem Fechados", de Stanley Kubrick, com uma clássica cena de orgia.
Paixão na pele
A influência da literatura também está no nome de trabalho da garota: enquanto o Benvenutti remete à "bem-vindo" em italiano, o Lola é uma homenagem a Lolita, a clássica ninfeta de Vladimir Nabokov. É assim que ela se vê, segundo suas próprias palavras: como uma menina sensual que mexe com a cabeça de homens mais velhos.
A paixão pela literatura e por autores como Dostoiévski e Nelson Rodrigues foi o que levou Lola para a faculdade, onde descobriu também gostar de autores africanos como Ondjaki e Mia Couto. "Gosto muito da poesia que há na prosa deles, me toca muito, são bastante viscerais. Acho que o Mia Couto tem muitas similaridades com o Guimarães Rosa", compara.
Uma frase de Rosa, inclusive, virou uma das diversas tatuagens que estampam o corpo dela: "Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia", diz o trecho. Lola traz na pele outras frases cunhadas por escritores: "Dizer insistentemente que fazia sol lá fora", de Manuel Bandeira, e "Quem não sente no corpo a alma expandir-se até desbrochar em puro grito de orgasmo, num instante infinito?", de Carlos Drummond de Andrade.
Nas páginas de "O Prazer é Todo Nosso" há homenagens a outras obras literárias, como o capítulo que leva o nome de "História do Olho", do francês Georges Bataille, escritor da literatura erótica. Da vertente, Lola destaca entre seus preferidos Hilda Hilst, Anais Nin, Henry Miller e o quadrinista canadense Chester Brown, autor de "Pagando por Sexo". "É uma HQ que traz uma problematização, apresenta o ponto de vista masculino sobre a relação com prostitutas e é uma história situada nos dias de hoje", explica.
Livros x programas
Para ela, títulos de soft porns, como o best-seller "Cinquenta Tons de Cinza", faz com que pessoas descubram o prazer da leitura e se permitam algumas inovações na vida sexual, mas as qualidades acabam por aí. "Tecnicamente, leio e penso no Milton Hatoum, por exemplo, que constrói um labirinto que não é possível ser desvendado sem que se preste muita atenção no que está lendo. Nesse aspecto, esses pornôs que estão na moda não são tão bons".
No dia a dia, Lola tenta sempre reservar um tempo para leitura. Atualmente, divide-se entre "A Vida Como Ela É", de Nelson Rodrigues, "Fanny Hill ou Memórias de Uma Mulher de Prazer", de John Cleland, e "Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra", de Mia Couto.
Lola prostitui-se desde os 17 anos e, apesar das pretensões com a carreira literária e da vontade de fazer um mestrado (quer estudar o sexo dentro da antropologia ou das ciências sociais para ir mais a fundo na parte teórica do assunto que domina na prática), não tem planos para deixar a profissão tão cedo. Orgulha-se do que faz e diz que, mais do que prazer, tem o importante papel de dar atenção, ouvir, valorizar a compreender muitas pessoas que não encontram isso em outras relações.
Questionada sobre como prefere ser tratada, é incisiva: "De puta mesmo, acho mais original, causa um choque nas pessoas, é mais divertido, mais bem resolvido". Lola invoca Gabriela Leite, autora de "Filha, Mãe, Avó e Puta" e ativista na busca pelos direitos das profissionais do sexo, que morreu em 2013, e a quem dedica "O Prazer é Todo Nosso".
Lola espera que o livro seja um divisor de águas em sua carreira, apesar de não fazer ideia de como ele irá repercutir e para onde vai lhe levar, mas assegura que não será para longe dos programas.
Texto de Rodrigo Casarin, no UOL Entretenimento.
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