A Rússia é de extremos. O seu capítulo no livro "Padrões de Desenvolvimento Econômico, Estudo Comparativo de 13 Países: América Latina, Ásia e Rússia", escrito por Numa Mazat e Franklin Serrano, traça um panorama de sua trajetória econômica desde o pós-Guerra, marcada pelo comunismo e seu drástico fim.
De 1950 a 1974, houve relativo sucesso na industrialização da antiga URSS, mantendo expansão média da renda per capita de 3,5% anuais.
Para tanto, se recorreu a matérias-primas de baixo custo e à mão de obra advinda da mecanização agrícola e da incorporação das mulheres na força produtiva.
O país criou uma estrutura industrial diversificada e acabou com o desemprego e a pobreza. O modelo se esgotou juntamente com as reservas de mão de obra, o que levou o governo a buscar um novo caminho nas inovações. Porém a organização centralizada se mostrou inapropriada ao desafio.
Além da ausência de pressão dos concorrentes, uma empresa, em vez de ver nas inovações uma fonte de ganho, as tinham como problema burocrático, como ter que realocar a mão de obra tornada redundante por aumentos de produtividade.
Diferentemente dos EUA, onde as Forças Armadas geram tecnologias aproveitadas pelas empresas, na URSS a prioridade de Defesa tornava absolutamente secretos os avanços obtidos. Ademais, processos e produtos tinham que poder ser convertidos para o uso em guerras, tornando-os mais custosos e de menor qualidade. Por exemplo, aviões, tratores e caminhões civis tinham especificações militares.
Na agricultura, os ganhos de produtividades não persistiram em razão da dificuldade de ocupar terras em regiões de frio intenso.
As dificuldades tecnológicas e de segurança alimentar exigiam que a URSS elevasse suas importações de bens de capital, insumos de informática, cereais etc. Para financiá-las, o país direcionou a produção de petróleo e gás para a exportação.
A URSS passou a depender da tecnologia do Ocidente e dos preços internacionais das matérias-primas. Nos anos 80, o choque dos juros americanos e a reversão dos choques do petróleo levaram à crise no balanço de pagamentos.
As reformas da perestroika tentaram combater a ineficiência produtiva dando mais autonomia às empresas, que adotaram o modelo de autogestão e depois foram sendo dominadas por gerentes.
Os resultados foram desastrosos: os conselhos de trabalhadores elevaram a apropriação de renda, reduzindo os investimentos; o Estado deixou de ter as receitas das estatais, o que aumentou o deficit fiscal, o excesso de demanda e os problemas de escassez; as contas externas pioraram etc.
De 1975 a 1991, a renda per capita cresceu em média 0,2% ao ano. O fim da URSS e a transição para um capitalismo liberal pioraram a situação: de 1992 a 1998, o indicador teve queda de 6,9%.
A liberalização de preços trouxe um surto inflacionário, que acabou com o excesso de demanda, mas também derrubou o investimento e o gasto público.
A liberalização financeira --que permitiu até que as firmas não internalizassem as divisas das exportações--, em vez de atrair recursos, levou à fuga de capitais.
A partir de 1995, câmbio fixo e juros altos foram usados para estabilizar a moeda. Todavia, a valorização cambial, a perda de reservas e os efeitos da crise asiática de 1997 levaram à crise russa um ano depois.
É nesse contexto que a partir de 1999 ascendem ao poder governos nacionalistas. Além de ter contado com altas do petróleo, o regime forçou a internalização de 75% das divisas nas vendas externas, acumulou reservas (de US$ 11 bilhões em 1999 para US$ 600 bilhões em 2008), reduziu os juros reais de 20% ao ano para taxas negativas, estatizou banco, taxou as exportações de commodities, entre outras políticas ativistas. De 1999 a 2008, a renda per capita cresceu a 7,2% anuais.
É verdade que as contas externas e fiscais permanecem dependentes dos preços das commodities. A movimentação de capitais continua ampla, podendo deixar o país vulnerável mesmo com superavit corrente. Tais restrições se evidenciaram de novo com a crise internacional a partir de 2008, que trouxe volatilidade ao crescimento.
Ainda assim, embora continue defasada tecnologicamente, a Rússia não tem sinais de desindustrialização, como ocorre em outros países ricos em recursos naturais. Com pontos fortes, limites e contradições estruturais, o modelo nacionalista parece se manter forte.
Texto de Marcelo Miterhof, na Folha de São Paulo.
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