Demissões, na véspera de Natal, por e-mail, me chocam. Acredito piamente no simbolismo de certas datas: ninguém, salvo por falta grave, pode ser demitido no dia 24 de dezembro. Muito menos por meio de uma mensagem burocrática e gélida. Os competentes merecem deferências.
Mesmo os incompetentes merecem respeito.
Empresas e instituições adoram pedir que seus funcionários vistam à camisa, joguem no time, façam parte da família. Na hora de demitir, porém, não se dão, muitas vezes, o trabalho de olhar no olho, de apresentar uma justificativa ou de esperar um momento mais oportuno e menos desumano. Demissão no Natal me faz pensar sobre o mundo em que vivemos: as pessoas são descartáveis. Trabalha-se durante a vida inteira para, na velhice, ter menos. As aposentadorias desamparam os contribuintes. Experts defendem que deveria ser pior. É incrível como existem canalhas dispostos a receitar o mal. Nessa lógica, as pessoas sempre aparecem em último lugar. Afinal, é um só mais um desempregado. Um número.
Sou anacrônico, piegas e “demagógico”. Preocupo-me com pessoas, com suas famílias, com o que sentem quando são desprezadas, jogadas fora, descartadas, ignoradas. Quanto mais o tempo passa para mim, mais me convenço de que este mundo está muito mal organizado: poucos têm muito, muitos têm pouco, políticos manipulam o Estado contra a sociedade, parte da mídia só exalta os valores simbólicos dos que possuem valores patrimoniais elevados e paga-se a experiência dos mais velhos com instrumentos de tortura como o fator previdenciário.
Estimulamos o culto do egoísmo, da competição desenfreada, do narcisismo, do materialismo exacerbado e da indiferença.
Bom não é ser do bem, mas ser o melhor. A velha ideologia do mais forte ganhou um novo nome: meritocracia. Por trás desse rótulo, redesenhado sob medida para os tempos atuais, esconde-se, por meio da educação, com seus múltiplos sistemas competitivos e excludentes, a reprodução da desigualdade. O mais forte torna-se sempre mais forte, o mais rico fica sempre mais rico, o ganhador continua a ganhar, mas se justifica com as exceções à regra que lhe permitem louvar os defeitos do sistema como virtudes de um falso universalismo.
Fazer um pai ou mãe, na véspera de Natal, chorar diante do filho por ter perdido o emprego é pusilânime. É algo que não me desce, tranca na minha garganta, me revolta. Quero viver noutro mundo, um mundo em que ninguém seja demitido no Natal. Quero viver num mundo em que o valor máximo seja dar valor às pessoas. Quero viver num mundo em que demissões só aconteçam em casos extremos e jamais atinjam aqueles que cumprem suas obrigações competentemente. Quero viver na utopia: um universo de respeito, sensibilidade, solidariedade e cooperação. Um mundo em que pessoas nunca sejam descartáveis. Nem só um número.
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