segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Minoria pobre e gay continua sendo a face do HIV nos EUA



A epidemia de Aids nos Estados Unidos está se tornando cada vez mais concentrada entre os homens pobres, negros e hispânicos que fazem sexo com outros homens.
Apesar de anos de progresso na prevenção e tratamento do HIV na classe média, o número de novas infecções em todo o país continua teimosamente fixo em 50 mil por ano --cada vez mais entre esses homens, que representam menos de 1% da população.
Giselle, uma mulher transgênera, mulata, de 23 anos, poderia representar a nova face da epidemia.
"Tive o resultado positivo cerca de um ano atrás", disse Giselle, que nasceu homem, mas agora usa um rabo de cavalo feminino no alto da cabeça, uma camiseta apertada delineando os seios e se identifica como mulher. "Não sei como, exatamente. Eu não tinha onde morar. Estava fazendo serviço de acompanhante. Fui estuprada."
"Sim, eu uso preservativos", acrescentou. "Mas não vou mentir. Às vezes eu escorrego. Acredite em mim: todo mundo aqui que diz 'eu sempre uso camisinha' nem sempre usa."
Além de transexuais como Giselle, o grupo afetado inclui gays assumidos e não assumidos e bissexuais, bem como aqueles que se consideram heterossexuais, mas que fizeram sexo com homens, voluntária ou involuntariamente, em abrigos, na prisão ou por dinheiro --a maioria dos entrevistados para esta reportagem falou sob a condição de que apenas seus primeiros nomes fossem citados.
Em todo o país, 25% das novas infecções se dão em homens negros e hispânicos, e na cidade de Nova York este número é de 45%, de acordo com os Centros para Controle e Prevenção de Doenças e a secretaria de saúde da prefeitura.
Em todo o país, quando apenas os homens com menos de 25 anos infectados através de relações homossexuais são contados, 80% por cento são negros ou hispânicos --embora eles se envolvam menos em comportamentos de risco do que os homens brancos da mesma faixa etária.
As perspectivas para mudança parecem sombrias. Os críticos dizem que pouco está sendo feito para salvar esse grupo, e nada com muita urgência.
"Não havia sequer uma campanha publicitária destinada a jovens negros até o ano passado. Por que isso?", diz Krishna Stone, porta-voz da GMHC, que foi fundada na década de 80 e cuja sigla significa Gay Men's Health Crisis.
Phill Wilson, presidente do Black AIDS Institute em Los Angeles, disse que "não havia modelos existentes neste momento para atingir esses homens".
As autoridades federais e estaduais de saúde concordaram que levou anos para mudar as mensagens de prevenção direcionadas para o público-alvo de 30 anos atrás: os homens que frequentavam bares gays, muitos dos quais são brancos e de classe média, e os adolescentes heterossexuais, que têm um risco relativamente baixo. O financiamento para as agências de saúde não tem aumentado, e tem havido pouca pressão política para concentrar as campanhas nos jovens gays negros e hispânicos.
Atingir esses homens "é o Santo Graal, e estamos trabalhando nisso", disse o Jonathan Mermin, diretor de prevenção ao HIV no CDC. Sua agência criou a campanha "Fazer exame nos deixa mais fortes, à qual Stone se referiu, e ofereceu milhões de dólares para os departamentos de saúde locais e grupos comunitários pagarem exames.
Mas ele não soube dizer o nome de uma cidade ou Estado que tenha comprovado algum sucesso na redução das taxas de infecção em homens jovens homossexuais das minorias. "Com mais recursos, podemos dar passos maiores", disse.

Estendendo o alcance

É difícil atingir os jovens negros gays, dizem especialistas. Poucos são assumidos em suas famílias. Muitos vivem em lugares onde os gays são estigmatizados e não têm dinheiro para se mudar. Poucos frequentam escolas que têm clubes de orgulho gay ou orientadores gays.
"Quando falamos sobre HIV na educação sexual, a classe fica estressada", disse Alex, 20, que nasceu em St. Croix, mas foi criado em Nova York. "Um cara disse: 'não somos bichas; por que temos que aprender isso?' Então o professor parou e passou para outro assunto."
De acordo com um grande estudo liderado pelo CDC, uma relação sexual entre homens para um jovem negro americano tem oito vezes mais chance de acabar numa infecção por HIV do que para um branco.
Isso é verdade, muito embora, em média, os jovens negros que participaram do estudo tenham assumido menos riscos do que os brancos: eles tiveram menos parceiros, tiveram menos relações sexuais enquanto estavam bêbados ou drogados e usaram camisinha com mais frequência.
Eles tinham outros fatores de risco. Sem assistência médica, eles têm menos chances de visitar médicos com frequência e mais probabilidade de ter sífilis, que abre um caminho para o HIV.
Mas o fator decisivo foi que a maior parte de seus parceiros são homens negros mais velhos, que têm muito mais chances de ter HIV sem tratamento do que os homens brancos mais velhos.
Entre os pobres, o HIV não tratado ou tratado de forma precária é a norma, não a exceção, disse Perry N. Halkitis, professor de psicologia e saúde pública na Universidade de Nova York. De acordo com o CDC, 79% dos homens negros infectados pelo HIV que fazem sexo com homens e 74% dos hispânicos não têm "supressão viral", o que significa que podem transmitir a infecção --ou porque ainda não usam drogas antirretrovirais ou porque não as tomam diariamente.
Giselle mesmo admitiu pular alguns dias às vezes. "O medicamento causa mal-estar", disse ela. "Ele bagunça o estado mental. Ou então pode estar um frio de rachar e eu fico suando."
Deixar de tomar algumas doses faz com que o vírus tenha uma retomada, às vezes em variedades resistentes às drogas, dizem os especialistas.
Outros fatores de risco incluem depressão e fatalismo. Num projeto de 2012 dos Serviços Nacionais de Orgulho Jovem, uma organização de defesa de jovens negros homossexuais, mais da metade dos jovens negros gays entrevistados disse que temia sofrer rejeição de amigos ou familiares caso se assumissem, e cerca de 4 entre 10 disseram ter pensado em suicídio por serem gays.
"A imagem de um homem gay negro quase não existe", disse Shariff Gibbons, 25, que trabalha com outros jovens em GMHC. "Na comunidade negra, a imagem de que 'os gays são maricas' é amplificada um bilhão de vezes. E todos nós temos uma tia que vai à igreja e diz 'ser gay é errado'. Isso faz com que os homens se escondam."

Lutando contra o isolamento

Roderick , 22, disse que sua tia, que o abrigou depois que seus pais foram presos por porte de drogas, ficou furiosa quando ele disse a ela, aos 15 anos, que era gay. Mais tarde, ele frequentou uma pequena universidade em Nova Jersey e estudou veterinária. Mas, quando sua tia soube que ele estava namorando um homem branco, ela exigiu que ele voltasse para casa e fosse para uma faculdade comunitária local.
Ela e seus primos o chamaram de "Oreo" e outras coisas ainda mais pesadas, disse ele. "Cheguei a um ponto em que achava que ia surtar e me suicidar ou matá-los. Eu não queria fazer nenhuma das duas coisas, então, uma noite, peguei a bicicleta do meu primo e fui embora, e tomei um trem para Nova York. Estou basicamente morto para minha família agora."
Em Nova York, ele encontrou abrigo por meio do Centro Ali Forney, que leva o nome de um jovem defensor dos direitos dos homossexuais assassinado em 1997 e que abriga jovens gays de minorias, que costumam ser abusados em outros abrigos. Por um tempo curto, Roderick se sustentou fazendo sexo por dinheiro em festas organizadas através do site Craigslist. Mas disse que desistiu disso, tem um parceiro e está se inscrevendo em bolsas para estudar veterinária.
Vários jovens disseram se sentir isolados e com medo quando adolescentes, e deprimidos ao ponto de que não se importavam se iam viver ou morrer, o que os deixava indiferentes quanto a usar camisinha, especialmente quando ofereciam dinheiro para que eles não usassem. E muitos buscaram o apoio de homens mais velhos e mais compreensivos, que tinham passado pela mesma crise em sua juventude.
Alex disse que sua mãe ameaçou expulsá-lo de casa quando o pegou com outro rapaz na adolescência, mas ela precisava da pensão por invalidez que ele recebe por causa de uma lesão nervosa no nascimento. "Eu tenho três características contra mim: sou negro, sou gay e estou numa cadeira de rodas", disse. "Tudo que eu queria era amor e estar com alguém no mundo."
Sexo com estranhos era o mais perto disso que ele conseguia. Sua primeira vez foi na escadaria do conjunto habitacional, com um homem que ele havia conhecido num chat de gays negros. "Foi só sexo, e ele foi embora", disse. "Oral e anal sem camisinha." Quando ficou mais velho, prostituiu-se em Chelsea Piers.
Dois acontecimentos assustadores --contrair sífilis e ser estuprado por um homem mais velho que ele achava que o amava-- levaram-no ao GMHC, que oferece grupos de apoio separados para homens, adolescentes e transexuais negros e hispânicos. Eles oferecem conselhos, exames de HIV e ajuda em assumir a sexualidade. Por exemplo, vários homens disseram que entraram para o grupo depois de receber o folheto "Eu amo meu namorado" da GMHC, que mostra dois homens negros de mãos dadas e se beijando no Central Park.

Uma resposta inadequada

Mas os programas locais espalhados e os que oferecem moradia, ajuda médica e legal, além de outros serviços, não estão mudando a tendência das infecções porque a resposta nacional é fragmentada e hesitante.
Em um fórum recente da GMHC sobre por que seus programas para jovens negros estavam sendo cortados, Janet Weinberg, diretora-executiva em exercício da agência, disse que a epidemia estava de certa forma no mesmo patamar que há 30 anos.  "Temos as ferramentas para acabar com ela, exceto pela indiferença do governo", disse ela.

Reportagem de Donald G. McNell Jr para o The New York Times, reproduzida no UOL. Tradutor: Eloise De Vylder

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