ONU adota tática ofensiva no Congo
Forças de paz não evitaram massacres no passado
Por NICHOLAS KULISH e SOMINI SENGUPTA
KIWANJA, República Democrática do Congo - No verão deste ano, quando Martin Kobler, o recém-nomeado representante das Nações Unidas, chegou para sua primeira visita a esta cidade estratégica, homens armados do grupo rebelde M23 acompanharam seu pouso e desembarque. A presença deles transmitiu uma mensagem inconfundível: os rebeldes, não as autoridades congolesas, estavam no controle de Kiwanja.
Mas, quando ele chegou novamente em outubro, foi recebido por civis dando vivas. Os combatentes armados que tinham semeado o terror não estavam à vista. Forças congolesas, com o apoio de tropas de paz das Nações Unidas, tinham expulsado os rebeldes e devolvido o controle da cidade ao governo central.
"Nossa tarefa é dissolver bloqueios políticos, restaurar a autoridade do Estado e devolver a esperança à população", disse Kobler, diplomata alemão e representante especial do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon. "É preciso encontrar novos instrumentos para restaurar a paz."
O novo instrumento em questão foi a Brigada de Intervenção à Força, composta por 3.000 soldados da África do Sul, da Tanzânia e do Maláui. Em vez de ficar à espera de ataques, o Conselho de Segurança da ONU autorizou as tropas a "neutralizar grupos armados". Foi uma mudança em relação à abordagem passiva que deu má reputação às forças de paz -que não impediram a matança de bósnios muçulmanos em Srebrenica nem o massacre de tutsis e hutus moderados em Ruanda.
As instruções tiveram por objetivo não apenas devolver a esperança à população do Congo, mas também reabilitar a imagem das forças de paz da ONU, sob cuja guarda um massacre ocorreu aqui em 2008. A aposta parece ter dado certo até agora, mas encerra novos riscos.
O perigo de apoiar um dos lados em uma disputa foi evidenciado em novembro, quando o governo congolês abandonou as negociações de paz com os rebeldes. Mesmo assim, a brigada -somada a pressões diplomáticas e incentivos financeiros para a vizinha Ruanda- vem propiciando avanços.
"Acho que a presença dela contribuiu para reconstruir a credibilidade da ONU, que, após anos de humilhações, era quase inexistente no Congo", comentou Jean-Marie Guéhenno, que foi chefe das missões de paz da ONU entre 2000 e 2008 e sob cuja guarda os capacetes azuis foram dominados pelas forças rebeldes no leste do Congo.
A mudança de postura pode ter implicações importantes para operações de manutenção da paz em todo o mundo. Quase 100 mil soldados uniformizados integram o Departamento de Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas, presentes do Saara Ocidental ao Haiti e do Chipre à Caxemira.
Samantha Power, a embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, disse que a brigada revigorou os esforços das tropas congolesas e o resto da missão das Nações Unidas. A força das Nações Unidas no Congo inclui quase 19 mil militares e custa cerca de US$ 1,5 bilhão por ano.
A decisão de mandar capacetes azuis em operações ofensivas não recebeu aprovação universal. Organizações de ajuda humanitária temem que ela possa colocar seus funcionários em risco, porque os grupos armados podem não distinguir entre eles e as tropas.
Guéhenno avisou que não se deve confiar demais no uso da força. Para ele, a chave para encerrar a guerra é persuadir os líderes regionais a cooperar, pensando em fomentar seus próprios interesses.
"A força de paz não é uma equipe da SWAT que vai fazer uma faxina num bairro cheio de criminosos", disse Guéhenno.
"Ela requer uma atuação política."
Uma abordagem mais agressiva também poderia desagradar a países como Índia e Uruguai, que tradicionalmente enviam muitos soldados para participar de operações das Nações Unidas. Esses países veem as missões de paz como forma de conseguir treinamento, equipamentos e soldos adicionais para suas forças, com relativamente pouco risco de sofrerem baixas.
Dezenas de grupos armados continuam ativos no leste do Congo, região onde milhões de pessoas já morreram numa guerra que atraiu o envolvimento dos países vizinhos e continuou por duas décadas. Mas analistas avisam que a derrota de um único grupo, como o M23, que já estava enfraquecido mesmo antes da ofensiva mais recente, não é motivo para triunfalismo.
O colega militar de Kobler no Congo, que o alemão descreve como seu "gêmeo", tenente-general Carlos Alberto dos Santos Cruz, vem usando de modo mais agressivo os soldados que estão sob seu comando.
"Vamos fazer uso máximo dos poderes que nos foram concedidos", disse o general Cruz.
"Quando acabamos com um problema, em nossas cabeças já estamos pensando no passo seguinte."
Reportagem do The New York Times, reproduzida na Folha de São Paulo.
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