"Pela força, nunca acontece", declarou Singh Yadav Dharampal sobre o estupro.
Ele estava em pé com um bando de homens numa barbearia próxima ao mercado Sarojini Nagar. A maioria dos homens concordou.
Há um ano, um estupro coletivo fatal, no qual um grupo de homens num ônibus atacou repetidamente uma jovem estudante de fisioterapia e a feriram internamente com uma barra de ferro, manchou o nome desta cidade. Esse caso e outros provocaram um verdadeiro exame de consciência nacional. Mas a ideia de estupro como uma impossibilidade física é um dos muitos mitos sobre a violência sexual que continuam circulando entre os homens na Índia. Isso também vale para a noção de que as mulheres são simultaneamente vítimas e autoras dos estupros que enfrentam.
"Se alguém tentasse estuprar minha filha, ela lhe bateria com um sapato", disse Yadav, funcionário do mercado, sobre sua filha de 15 anos. "Não há como um homem estuprá-la."
Apenas para garantir, porém, Yadav, 45, retirou-a da escola e a levou de volta para o vilarejo. Caso contrário, disse ele, como ele poderia saber o ela que estava fazendo?
Esses pressupostos e modos de falar sobre as mulheres podem ser encontrados por todos os degraus da escada social de Déli. Considere o caso recente de Tarun Tejpal, um cruzado contra a má conduta e editor de um jornal sensacionalista que se demitiu depois de ser acusado de ter atacado sexualmente uma subordinada. Numa correspondência que vazou, o que a mulher detalhou como a retirada de sua calcinha e penetração física a força foi descrito por Tejpal como "brincadeiras de bêbado" --brincadeiras que, como o tango, pedem duas pessoas para acontecer.
Falar de estupro com tantos homens de Déli é descobrir um abismo entre o mundo de suas mentes, repleto de ideias medievais sobre as mulheres, e o mundo da megacidade moderna na qual se encontram. Na verdade, muitos homens --inclusive os que estavam na barbearia aquele dia-- atribuem o problema do estupro à mudança social vertiginosa que criou novas tentações num ritmo muito mais rápido do que novos hábitos para lidar com elas.
O barbeiro simplifica dessa forma: o estupro não é culpa do homem. "É culpa dos tempos", disse ele. Ele disse que o estupro é o resultado de más escolhas feitas pelas mulheres. "Que vestem o tipo de roupa errado, comem o tipo errado de comida, vai para os lugares errados."
É uma ideia familiar, aqui e em outros lugares, de que as mulheres atraem os homens ao estupro por usar saias particularmente bonitas. Os homens são homens, diz o argumento, o que aparentemente significa que eles serão estupradores. O barbeiro ofereceu uma metáfora: "onde quer que haja uma vela e fogo, a vela derreterá." O fogo é sempre a mulher. A vela é o homem."
Um menino de dez anos chamado Durgesh estava em pé por ali, esperando seu pai cortar o cabelo. Seu rosto tinha tristeza e foi revelado que sua irmã, Ratna, estava trancada na prisão juvenil. Ela também havia sido uma vítima da modernidade. Ela conseguiu um emprego, o que a levou a fazer um empréstimo, o que levou a comprar um celular, o que levou a fazer planos com amigos estranhos, o que levou ao álcool, o que levou a cheirar entorpecentes num pedaço de pano, o que a levou à cadeia.
Quando Ratna sair no ano que vem, Durgesh quer que ela volte para a aldeia ancestral onde vive a família, no Estado de Uttar Pradesh. "Caso contrário", diz ele, " ela vai ficar mimada de novo".
Enquanto os homens falavam, um pouco de feminismo veio à tona. Yadav falava sobre retirar sua filha da escola quando um homem que passava, usando um blusão com os dizeres "Dois mais três é igual a 5", irrompeu, exclamando: "Isso não está certo!"
Mas Yadav continuou falando. O que de fato acontece, segundo ele, é que as mulheres trocam sexo por dinheiro para comprar roupas bonitas. Quando as mães descobrem e as confrontam, elas chamam o que aconteceu de estupro para proteger sua honra.
"Se os pais têm apenas 10 rúpias e a filha está usando roupas de 100 rúpias, onde ela está conseguindo essas roupas?", disse Yadav. Muitos dos homens concordaram. Ele não estava sozinho em assumir que a maioria das mulheres está a algumas roupas cobiçadas de distância da prostituição.
O homem da camiseta matemática foi persuadido. "Quem sou eu para julgar?", disse. Ele, que se ergueu em defesa das mulheres, desistiu com a mesma rapidez.
Reportagem de Anand Giridharadas, para o The New York Times, reproduzido no UOL. Tradutor: Eloise De Vylder
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