segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Quando a polícia assusta

Mais de 70% da população brasileira desconfia da polícia. O número é impressionante e a explicação é simples. A polícia faz o que não deveria fazer e não faz aquilo que deveria fazer. Não investiga. Não protege. Assusta.
Por que a PM se aproxima com holofote e armamento pesado nas mãos, ar beligerante, como se todos fossem suspeitos de tudo? Por que na periferia das cidades passageiros de ônibus são enfileirados nas calçadas, mãos na cabeça, tratados genericamente como malandros, ofendidos e revistados, em busca não se sabe de quem?
Por que, em regra, a Polícia Judiciária só resolve casos criminais em que a autoria é conhecida e fica de lado aquilo que, para ser investigado, dependeria de meios e inteligência? Em São Paulo, por exemplo, 79% dos homicídios têm autor desconhecido.
O policiamento ostensivo é fundamental para a paz pública. Inibe a criminalidade violenta, desestimula depredações urbanas, confere sensação de segurança ao espaço ocupado. Mas onde a visibilidade é menor, a abordagem é de arrepiar.
A lei permite que o policial efetue busca pessoal em caso de "fundada suspeita" de ocultação de arma ou de objetos relacionados a algum crime específico. Fora daí, em tese, a abordagem seria arbitrária. Mas o que vale é o veredicto da esquina, inapelável, o parâmetro subjetivo do policial, que pode se aproximar de qualquer um sem motivo concreto.
Aqui ainda se prende para averiguação. Sob o olhar complacente de todos. A polícia aborda não porque alguém cometeu um delito, mas para verificar se alguém que se encontra em determinado local pode ser suspeito de algo. É suspeito quem está sem documento. É suspeito também quem está com documento, mas o policial não gostou do seu rosto, da sua roupa ou do seu jeito.
A Constituição autoriza no país prisão em flagrante (qualquer um pode conduzir o preso à autoridade policial) e prisão preventiva ou temporária decretada sempre pelo Poder Judiciário e com motivação jurídica.
Prisão para averiguação não existe na lei brasileira. Só a partir das manifestações de junho, por atingir estudantes, jornalistas e classe média, esta subversão absoluta do princípio da legalidade passou a ser observada de forma crítica.
É crime privar alguém da sua liberdade com abuso de poder, mas a pena é minúscula (multa ou detenção de 10 dias) e os juízes não costumam ligar muito para pequenas arbitrariedades, voltadas, como se costuma dizer, para o "bem comum". A população, acuada pela violência urbana e pelos altos índices de criminalidade, acredita não ter alternativa ao Estado policial.
Ai de quem reclamar. Como num passe de mágica, a abordagem policial pode se transformar em desacato. Sim, pode aparecer do nada uma testemunha "imparcial" afirmando que o soldado foi destratado no exercício do seu dever: o suspeito, porque tentou resistir ao abuso ou exigir o cumprimento da lei, pode ser preso, falsamente acusado de um crime que não aconteceu.
Estima-se que cinco pessoas morrem em confronto com a polícia todos os dias no Brasil. A polícia da cidade de Nova York matou nove pessoas em 2011. No mesmo ano, foram abatidas 242 pessoas na cidade de São Paulo e 283 na cidade do Rio de Janeiro. Fora o que não se contabiliza.


Texto de Luís Francisco Carvalho Filho, publicado na Folha de São Paulo

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