sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Moldova, o 51º Estado americano?


Aqui em Moldova, nós não nos impressionamos com as notícias da Ucrânia. Os cidadãos de Kiev derrubaram uma estátua de Lênin em protesto pela relutância do presidente deles em abraçar a União Europeia. Isso agita os corações americanos que amam a liberdade, mas aqui, em um dos países mais pobres da Europa, nós nos perguntamos: por que os ucranianos descontariam sua fúria na estátua da pessoa à qual eles têm que agradecer  pelo surgimento da Ucrânia no mapa político –em 1922, como membro da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas? Seria o equivalente aos americanos derrubarem uma estátua de George Washington.

Mas não devemos esperar muito das terras da antiga União Soviética. Nós sabemos que somos uma constelação do absurdo. E a Ucrânia está longe de ser a mais absurda. Esses louros cabem a nós, Moldova.

Está sendo noticiado nos Estados Unidos que Moldova, assim como a Ucrânia, está sendo pressionada pela Rússia a dar as costas à Europa Ocidental e à OTAN. Mas até o momento há pouco protesto aqui. Os moldávios estão ocupados demais correndo para as saídas. Se imigração ilegal fosse um esporte olímpico, nós ficaríamos com a medalha de ouro. Quase um quarto de quatro milhões de habitantes de Moldova encontraram trabalho no exterior, e muitos mais gostariam de se juntar a eles.

Por esse motivo, os americanos precisam saber que Moldova, apesar de distante e virtualmente fora de suas consciências, não seria irreconhecível. Pelo contrário, nós deveríamos ser familiares o bastante para podermos nos qualificar como o 51º Estado americano. Sim, Moldova. Antes mesmo de Porto Rico.

Você poderia perguntar por quê? Pense em nós como "As Vinhas da Ira" de John Steinbeck. Aqui, multidões de trabalhadores sazonais ainda perambulam pelo país, sem nunca encontrar paz e nem trabalho. Eles passam fome e seus filhos são emaciados. A propósito, nós nunca encontramos nossa Eleanor Roosevelt, para ler sobre nós na mansão presidencial e então checar pessoalmente quanto do que o escritor escreveu é verdade. As esposas dos políticos moldávios não leem esse tipo de coisa e nem fazem esse tipo de viagem. Assim, as massas de moldávios estocam suas vinhas da ira até hoje, após 22 anos de estranha independência.

Eu digo estranha porque os moldávios, diferente dos americanos, não precisaram lutar por sua liberdade. Logo, nós não sabemos seu preço. Certa manhã em agosto de 1991, após um golpe para ressurreição do comunismo soviético ter fracassado em Moscou, uma voz no rádio anunciou que esta não era mais a União Soviética, mas uma Moldova independente. Imagine se a Festa do Chá de Boston tivesse sido organizada por oficiais britânicos em Boston enquanto o rei George 3º rechaçava um golpe em Londres, e os oficiais permanecessem sentados ao longo do porto com suas xícaras de chá, dizendo: "Continuem, amigos, continuem. Agora joguem isso na água! Excelente. Eu estou partindo para Londres. A propósito, aqui está sua Declaração da Independência. Boa sorte!"

Como os Estados Unidos, Moldova é um país jovem. A diferença é que agimos como um. Diferentemente dos americanos, que se esforçam para atingir seus sonhos, os moldávios preferem apenas sonhar. Como adolescentes, nós queremos todos os privilégios da vida adulta, mas sem suas responsabilidades.

Como os americanos, os moldávios também são um povo da fronteira. Não é a meta que é importante, mas o esforço. Talvez possamos entender o absurdo de nossa busca pela terra prometida da Europa, mas não podemos evitar. Os cruzados levaram dois séculos até desistirem de marchar para Jerusalém, após terem encontrado apenas um deserto. Agora, os moldávios não encontram nada na Europa, exceto trabalho fatigante por salários magros. A única fonte certa de dinheiro aqui é a remessa de dinheiro daqueles que trabalham no exterior, a maioria ilegalmente.

Os moldávios enfrentarão qualquer risco para cruzar fronteiras em busca de uma vida melhor. Não é de se estranhar. A pobre Moldova conta com uma das maiores taxas de consumo de álcool da Europa. A Organização Mundial de Saúde diz que um nível razoável de consumo é de aproximadamente um galão (3,78 litros) de álcool puro per capita por ano. Aqui em Moldova, nós ingerimos cerca de dois galões e meio, superando até mesmo nossos vizinhos russos.

Logo, talvez devêssemos esquecer a respeito da Europa e também desistir que a Rússia nos socorra. Talvez devêssemos buscar nos tornarmos parte dos Estados Unidos. Nós temos, de fato, algo a oferecer, incomum na antiga União Soviética: nós não fazemos alarde. Desde a independência, não houve nenhum protesto organizado real contra nossos governantes.

Nós não protestamos contra uma epidemia de tuberculose comparável a que ocorreu depois da Segunda Guerra Mundial. Ou a respeito da bolsa média para os estudantes, de US$ 15 por mês. Ou da pensão de US$ 40 por mês com a qual os aposentados devem se virar. Ou da revenda por nosso governo do gás natural russo aos seus cidadãos 100% mais caro. Eu sei que minha sugestão dificilmente será levada a sério pelos americanos. Mas que fique o alerta. As antigas repúblicas soviéticas não funcionam por conta própria. Se a Europa não é uma opção, que tal os Estados Unidos?

Se os Estados Unidos não quiserem nos adotar de uma só vez, os americanos nos verão chegando de toda forma, mesmo que seja gota a gota. Talvez possamos nos passar como uma equipe de hóquei debaixo d'água –sim, é um esporte real– ganhar vistos como atletas e então pedir asilo político. (Isso funcionou para um grupo de moldávios em 2003, no Canadá.)

De qualquer forma, Estados Unidos, você não poderão se livrar de nós. Moldova e nossa laia são um banquete móvel. Mesmo que vocês não estejam com fome, nós estamos.


Texto de Vladimir Lorchenkov, para o The New York Times, reproduzido no UOLTradução: George El Khouri Andolfato.

(Vladimir Lorchenkov, um jornalista e escritor moldávio, é autor do romance "The Good Life Elsewhere", que será lançado em breve.)

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