Feministas por toda a Europa Ocidental estão soando o alarme. A prostituição, elas alegam, se transformou na "escravidão branca" atual, com cada vez mais mulheres da Bulgária e Romênia, África e Ásia, sendo forçadas, enganadas ou seduzidas a venderem seus corpos.
Mas ao fazê-lo, essas ativistas estão criando um cisma no movimento, entre aquelas que veem a prostituição como outra forma de opressão masculina e aquelas que a veem como possível forma de empoderamento feminino.
Grande parte do debate está centrado na Alemanha, onde a prostituição é legal. Consequentemente, disse a autora alemã Alice Schwarzer, o país se transformou em um "El Dorado para traficantes de seres humanos, um paraíso para usuários de prostitutas de todo o continente", que chegam em grande número para frequentar os novos "megabordéis" em Colônia, Munique ou Berlim.
E, de fato, a prostituição é um grande negócio aqui. Nos bordéis ao longo das fronteiras com a França e Polônia, países onde a prostituição é ilegal, grupos de visitantes costumam receber pacotes de valor fixo. Apesar de números exatos serem raros, os especialistas estimam que há até 400 mil prostitutas na Alemanha, servindo mais de 1 milhão de clientes e gerando uma receita de 15 bilhões de euros por ano.
Schwarzer é uma defensora proeminente de que a prostituição volte a ser criminalizada, uma posição que a coloca em atrito com seus outrora aliados na esquerda. Afinal, a prostituição foi legalizada sob a coalizão de governo do social-democrata Gerhard Schroeder, em 2002. A ideia, disse a política Kerstin Müller, do Partido Verde, uma das autoras da lei, era dar às profissionais do sexo registradas uma forma de "saírem das sombras", incluindo lhes dando o direito ao seguro social.
Para Schwarzer, entretanto, esse sistema apenas preserva uma estrutura de poder misógina: "A prostituição não é uma exceção, é um fenômeno de massa". A posição de Schwarzer é comum em outras partes do Norte da Europa, onde uma espécie de "feminismo de Estado" está em ascensão há décadas. Em nome da proteção das mulheres, a Suécia criminalizou em 1999 a contratação de prostitutas, desviando a atenção da Justiça das mulheres para os usuários de prostitutas.
Essa lei funciona bem em um local como a Suécia, onde o consenso político é subordinar as necessidades e desejos pessoais de alguém ao bem comum.
"Na Suécia, há muito mais homens que se consideram feministas do que em qualquer outro lugar no mundo", disse o jornalista alemão Thomas Kirchner, um correspondente do "Süddeutsche Zeitung". "Os homens perguntam a si mesmos: eu realmente quero satisfazer minha vontade, mesmo que isso signifique apoiar um sistema que humilha e explora milhares de mulheres? Que imagem das mulheres eu quero ensinar aos meus filhos?"
O modelo sueco está sendo adotado por todo o continente: Irlanda do Norte, Bélgica, Finlândia e Lituânia estão prestes a seguir o exemplo.
Mas Schwarzer e a Suécia representam apenas um lado do debate. Organizações que representam as profissionais do sexo reagiram agressivamente. Elas argumentam que as mulheres que elas defendem –como a estudante de sociologia que ganha um dinheirinho extra no caro serviço de acompanhante, a ex-prostituta que abriu seu próprio negócio e que diz amar seu trabalho– são uma categoria social que simplesmente não existe para o movimento feminista de proibição, que vê apenas vítimas de opressão.
A resistência a esse novo feminismo de Estado em nenhum outro lugar é mais vívido do que na França, onde uma nova lei impõe uma multa de 1.500 euros a pessoas pegas solicitando uma prostituta (elas também são obrigadas a passarem por aulas de conscientização da situação difícil das prostitutas e dos riscos das profissionais do sexo). A filósofa francesa Elisabeth Badinter declarou a proposta "uma declaração de ódio à sexualidade masculina". Ela se juntou a um crescente número de franceses –tão diversos quanto o romancista Frédéric Beigbeder e o advogado Richard Malka, que defendeu Dominique Strauss-Kahn das acusações de estupro– que negam que visitar prostitutas seja algo além de uma transação privada entre adultos que consentem.
Uma petição chamada "343 Bastardos" –uma alusão à notória campanha de direitos de aborto "343 putas", de 1971– declarou que "alguns de nós usaram, usam e usarão prostitutas –e não temos vergonha". Eles acrescentaram, "todo mundo deveria ser livre para vender seus encantos, e até mesmo gostar de fazê-lo".
O que esse debate obscurece é a diferença crucial entre a prostituição em geral, que pode certamente envolver adultos que consentem fazendo o que querem com seus corpos, e o tráfico de seres humanos, que ninguém deveria tolerar e nem fornecer desculpas para ele. Infelizmente, o feminismo de Estado, em seu desejo de defender as mulheres, acaba punindo as pessoas que são mais abertas sobre sua disposição de pagar ou receber por sexo, empurrando ao mesmo tempo os males do tráfico humano e do sexo forçado ainda mais para a clandestinidade.
Em vez de reprimir os homens que frequentam prostitutas, as autoridades deveriam se concentrar nas redes criminosas que trazem as mulheres de países do Leste Europeu para a União Europeia.
Punir os usuários em geral é o tipo de fundamentalismo que não é apropriado para um movimento de libertação. Ao se tornar uma religião de Estado, o feminismo só tem a perder.
(Mariam Lau é uma correspondente de política do semanário alemão "Die Zeit".)
Texto de Mariam Lau, publicado no The New York Times, reproduzido no UOL. Tradutor: George El Khouri Andolfato
Essa lei funciona bem em um local como a Suécia, onde o consenso político é subordinar as necessidades e desejos pessoais de alguém ao bem comum.
"Na Suécia, há muito mais homens que se consideram feministas do que em qualquer outro lugar no mundo", disse o jornalista alemão Thomas Kirchner, um correspondente do "Süddeutsche Zeitung". "Os homens perguntam a si mesmos: eu realmente quero satisfazer minha vontade, mesmo que isso signifique apoiar um sistema que humilha e explora milhares de mulheres? Que imagem das mulheres eu quero ensinar aos meus filhos?"
O modelo sueco está sendo adotado por todo o continente: Irlanda do Norte, Bélgica, Finlândia e Lituânia estão prestes a seguir o exemplo.
Mas Schwarzer e a Suécia representam apenas um lado do debate. Organizações que representam as profissionais do sexo reagiram agressivamente. Elas argumentam que as mulheres que elas defendem –como a estudante de sociologia que ganha um dinheirinho extra no caro serviço de acompanhante, a ex-prostituta que abriu seu próprio negócio e que diz amar seu trabalho– são uma categoria social que simplesmente não existe para o movimento feminista de proibição, que vê apenas vítimas de opressão.
A resistência a esse novo feminismo de Estado em nenhum outro lugar é mais vívido do que na França, onde uma nova lei impõe uma multa de 1.500 euros a pessoas pegas solicitando uma prostituta (elas também são obrigadas a passarem por aulas de conscientização da situação difícil das prostitutas e dos riscos das profissionais do sexo). A filósofa francesa Elisabeth Badinter declarou a proposta "uma declaração de ódio à sexualidade masculina". Ela se juntou a um crescente número de franceses –tão diversos quanto o romancista Frédéric Beigbeder e o advogado Richard Malka, que defendeu Dominique Strauss-Kahn das acusações de estupro– que negam que visitar prostitutas seja algo além de uma transação privada entre adultos que consentem.
Uma petição chamada "343 Bastardos" –uma alusão à notória campanha de direitos de aborto "343 putas", de 1971– declarou que "alguns de nós usaram, usam e usarão prostitutas –e não temos vergonha". Eles acrescentaram, "todo mundo deveria ser livre para vender seus encantos, e até mesmo gostar de fazê-lo".
O que esse debate obscurece é a diferença crucial entre a prostituição em geral, que pode certamente envolver adultos que consentem fazendo o que querem com seus corpos, e o tráfico de seres humanos, que ninguém deveria tolerar e nem fornecer desculpas para ele. Infelizmente, o feminismo de Estado, em seu desejo de defender as mulheres, acaba punindo as pessoas que são mais abertas sobre sua disposição de pagar ou receber por sexo, empurrando ao mesmo tempo os males do tráfico humano e do sexo forçado ainda mais para a clandestinidade.
Em vez de reprimir os homens que frequentam prostitutas, as autoridades deveriam se concentrar nas redes criminosas que trazem as mulheres de países do Leste Europeu para a União Europeia.
Punir os usuários em geral é o tipo de fundamentalismo que não é apropriado para um movimento de libertação. Ao se tornar uma religião de Estado, o feminismo só tem a perder.
(Mariam Lau é uma correspondente de política do semanário alemão "Die Zeit".)
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