Em se tratando de protestos, esse foi minúsculo: apenas um punhado de pessoas reunidas em silêncio num prédio condenado que eles achavam que não deveria ser demolido. Mas, num lugar onde a dissensão é rara, a manifestação pode ser considerada ousada, até radical.
E fútil, também, dado que o protesto era contra uma companhia controlada pela entidade que controla praticamente tudo aqui: a família real de Mônaco.
"Não há nada, de fato, que alguém possa fazer", disse Elizabeth Wessel, estilista contrária à demolição do Sporting d'Hiver, um antigo clube de apostas de 81 anos e um dos últimos prédios art decó da região, para abrir caminho para um grande empreendimento novo apoiado pelos interesses empresariais da família real.
Claude Rosticher, um pintor de 77 anos que organizou o protesto, disse: "o principado sempre tem a palavra final".
Mônaco parece ser o mais agradável dos lugares, um recorte de irrealidade na Riviera Francesa que tem menos de 2,6 quilômetros quadrados e uma população de cerca de 36 mil pessoas, uma renda per capita de mais de US$ 150 mil por ano e uma taxa de desemprego de zero. Lar de uma série de ricaços estrangeiros sedentos por privacidade e atraídos pelo clima agradável e uma política ainda mais agradável de não cobrar imposto de renda, o principado é governado como uma espécie de ditadura consensual pelo príncipe Albert 2º, de 55 anos, um ex-playboy que assumiu o cargo depois que seu pai, o príncipe Rainier, morreu em 2005.
Albert é muito rico --a Forbes estimou sua fortuna em 1 bilhão de dólares há dois anos-- e ele e sua família são retratados em revistas de fofocas como detentores de infinito glamour e um pouco misteriosos. Moradores descrevem o príncipe, que de vez em quando se mistura entre eles, como afável. Mas eles também parecem relutar, ao ponto de chegar à paranoia, em questionar suas políticas públicas.
É certamente imprudente criticá-lo pessoalmente: no mês passado, um homem de 23 anos foi condenado no tribunal por insultar a família real no Facebook (ele recebeu um período de suspensão de oito dias). Em 2011, um morador de 50 anos de idade foi condenado a seis dias de prisão por "desonrar a monarquia" depois de, bêbado, fazer comentários pouco lisonjeiros sobre o príncipe em um bar.
Em poucas áreas a autoridade do Estado é percebida mais do que na construção, uma questão crucial num lugar superlotado, onde a única forma de expansão é para cima e a única forma de construir algo novo é substituir algo antigo.
A construção tem crescido em Mônaco ao longo dos últimos 20 anos, com estruturas tradicionais --do Sporting d'Hiver até mansões-- sendo demolidas e substituídas pelos opulentos arranha-céus adorados pelos oligarcas russos.
Muitos grandes projetos aqui estão ligados à Société des Bains de Mer de Mônaco, a força dominante do principado em entretenimento, turismo e lazer. A SBM, como é chamada, é dona de muitas das propriedades mais caras de Mônaco: 33 restaurantes, cinco cassinos, quatro hotéis e o Sporting d' Hiver, para começar. Albert e sua família, por sua vez, são donos de 69% da SBM.
A SBM, cujos 3.700 funcionários fazem dela a maior empregadora de Mônaco, já começou a demolir o Sporting d' Hiver --que já abrigou os mais luxuosos bailes beneficentes do principado. Ele deverá ser substituído por um complexo de escritórios, apartamentos e boutiques de luxo desenhado pelo arquiteto inglês Richard Rogers.
Quando a notícia do plano saiu --"a SBM anunciou de repente que era isso que iriam fazer", disse Molly Brown, moradora antiga que é contrária ao projeto--, os críticos tentaram impedi-lo.
No Hôtel de Paris, nas proximidades, que também é de propriedade da SBM e deve ser fechado e parcialmente reformado, os funcionários deixaram seus postos de trabalho para uma greve de uma hora neste verão. Preservacionistas fizeram lobby com os legisladores no Conselho Nacional, como é conhecida a legislatura; escreveram editoriais raivosos; fizeram reuniões públicas; e assinaram uma petição online que eventualmente conseguiu mil assinaturas.
Mas nada funcionou.
"Sabemos que há apenas um chefe", disse Eric Elena, membro do Conselho Nacional, referindo-se ao príncipe.
Apesar de Elena trabalhar como supervisor no principal cassino de Mônaco, também de propriedade da SBM, ele falou no início deste ano contra a reforma do Sporting d' Hiver, um dos três únicos legisladores a fazer isso.
Mas mesmo que todos os seus colegas do legislativo se opusessem, pouco poderia ser feito no segundo menor Estado independente do mundo, depois do Vaticano. Por um lado, o legislador é eleito apenas por moradores nativos, cerca de um terço da população. Por outro, eles não servem exatamente para controlar o poder, mas simplesmente oferecem conselhos facultativos ao príncipe e ao governo (que é nomeado pelo príncipe).
Mas, embora os moradores se irritem com a falta de vantagens democráticas, exaltam muitas virtudes de Mônaco --ruas animadas, altos salários, benefícios médicos generosos, crime praticamente inexistente e uma política rigorosa de barrar residência para pessoas cujas contas bancárias, por exemplo, não sejam aprovadas pelas autoridades.
Muitos moradores afirmam que "estão sendo sufocados" e que "não têm quaisquer liberdades", conforme disse Elena. Mas, acrescentou, "em termos de padrões de vida, Mônaco supera todos os outros países".
Roger-Louis Bianchini, jornalista aposentado que trabalhou no jornal Nice Matin e que tem escrito extensivamente sobre Mônaco, colocou desta forma: "Não é uma ditadura, mas, ao mesmo tempo, as pessoas têm medo de tomar o poder. Elas não o tomam porque temem perder seus benefícios".
Numa entrevista em seu escritório --decorado com uma fotografia de grandes dimensões de Albert e sua esposa, a princesa Charlene, no dia do casamento--, o diretor de negócios imobiliários da SBM, Daniel Lambrecht, disse que simpatizava com os manifestantes até certo ponto. Mas também disse que o novo projeto faz sentido economicamente.
"Eu respeito suas emoções, mas elas são subjetivas, não objetivas", disse ele.
Em Mônaco, não adianta muito ficar irritado com a SBM por muito tempo. No verão passado, a empresa realizou um banquete em comemoração a seu aniversário de 150 anos para 500 pessoas "todas leais ao principado", de acordo com o site do chef Alain Ducasse, que serviu o evento chamado de "Diner sur l'herbe" --uma reinterpretação da famosa obra de Édouard Manet que foi pintada no mesmo ano que a empresa foi fundada.
Todos que tinham algum nome estavam ali, até pessoas que criticam o príncipe em privado. Ele apareceu, acenando para a multidão. Era uma ilustração clara de como Mônaco pode parecer uma grande família, com todas as concessões que isso implica.
"A piada é que, se você ficar bêbado e perder suas chaves e não quiser ter que ir para casa no meio da noite, tudo que você tem a fazer é ir até um policial e xingar o príncipe Albert", disse um fotógrafo de moda inglês que não quis se identificar. "Eles o colocarão numa cela por uma noite."
Reportagem de Sarah Lyall e Maia De La Baume, para o The New York Times, reproduzida no UOL. Tradutor: Eloise De Vylder
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