terça-feira, 3 de dezembro de 2013

'Lidar com Hollywood é cada vez mais complicado', diz Spike Lee

'Lidar com Hollywood é cada vez mais complicado', diz Spike Lee

MARCELO BERNARDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM NOVA YORK

Prédios residenciais bem acabados, novos restaurantes, lojas e muitos hipsters tomaram conta de Fort Greene, bairro do Brooklyn. Mas as mudanças do local e seus modismos, que "expulsaram" um bom contingente da população negra e hispânica, não afetaram Spike Lee.
Desde 1986, a produtora 40 Acres and a Mule funciona ali, numa casa de três andares adornada por objetos dos sets dos filmes "Faça a Coisa Certa" e "Malcolm X" e pôsteres de filmes como "Oito e Meio", de Fellini, e "Pixote", de Hector Babenco.
Mas, assim como o Brooklyn perdeu parte da identidade, o cinema de Lee também mudou e flerta com os grandes estúdios. A mais recente das produções do cineasta é "Oldboy", lançada nos EUA na semana passada e que arrecadou US$ 850 mil (R$ 2 milhões) no fim de semana de estreia -para comparação, a animação "Frozen", da Disney, varreu US$ 67 milhões no mesmo período.
"Oldboy" é um remake do violento e cultuado longa do coreano Park Chan-Wook, de 2003. O ator Josh Brolin vive o homem aprisionado num cubículo, sem motivos aparentes, por 20 anos. Ao ser libertado, procura vingança.
Lee conversou com a Folha em seu escritório.
*
Folha - "Oldboy" é seu primeiro remake. Por que decidiu fazer o filme, ainda vivo na memória de muitos cinéfilos?
Spike Lee - Sou contra o termo remake. Meu filme é uma reinterpretação. O tema da vingança tem grande significado para mim. Histórias assim estão na Bíblia: há sempre alguém lidando com uma sujeira que vai exigir certo tipo de punição.
Também é um filme para um grande estúdio. Em entrevista ao "New York Times", o sr. explicou que não gostou do jeito que o filme foi cortado.
Lidar com Hollywood é cada vez mais complicado, sobretudo neste caso, em que fui contratado. Veja o exemplo de Steven Soderbergh: ele praticamente renunciou a Hollywood, vai fazer filmes para TV a cabo. Os estúdios chegaram a uma noção coletiva de que diretores e alguns atores estavam se tornando poderosos demais para eles.
Em "Faça a Coisa Certa", o sr. mostra uma face do Brooklyn que está desaparecendo. O que acha das mudanças pelas quais o bairro passa?
Chamo de a síndrome de Cristóvão Colombo: pessoas mais poderosas chegam a um lugar e afugentam os habitantes que estão ali há anos, que são o sabor do local.
Após 12 anos do governo Michael Bloomberg, Nova York elegeu como prefeito Bill De Blasio, político de família culturalmente diversa: é casado com uma negra, com quem tem dois filhos. O sr. acha que esse fator ajudou sua eleição?
Pode ser cínico, mas você pode sugerir que ele aparecendo em propagandas na TV ao lado do filho adolescente (Dante), que tem um grande cabelo afro, ajudou. Foi uma campanha esperta. Ele teve 98% do voto negro. David Dinkins, prefeito negro de Nova York nos anos 80, teve 92% do voto negro.
O que o sr. acha da briga de Barack Obama com o Congresso e que "fechou" o país por alguns dias? Alguns famosos até invocam o termo racismo.
Oprah Winfrey sugeriu isso na semana passada. Ele é o primeiro presidente negro: essas coisas eram esperadas. Pode não ser justo, mas não me surpreende. Nunca pensei que no dia em que Barack Obama se tornasse oficialmente presidente, uma mágica, um abracadabra, iria ocorrer e o racismo desapareceria. Mas vamos falar sobre o Brasil também (risos).
Vamos.
Rodo um documentário no Brasil e vejo essas idiossincrasias raciais. Na minha opinião, muitos dos meus irmãos e irmãs brasileiros têm essa mentalidade do racismo. Por que um Estado com 90% da população negra, como a Bahia, não elege um candidato negro? Se os Estados Unidos tivessem 90% da população negra, não teríamos presidentes brancos (risos).


Reprodução da Folha de São Paulo

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