A bicicleta da filha mais velha e o skate da menor já estão há mais de uma semana no quarto da empregada, escondidos das garotas. Faltavam os brinquedos menores, a lista que elas haviam feito incluía jogos eletrônicos, tablets, celulares. Agora, tirava os embrulhos da mala do carro e atravessava correndo o quintal.
Na semana anterior, gastara o domingo armando a árvore de Natal e, de tanto subir e descer, de tanto curvar o pescoço e os braços, tudo estava doendo. Mas a árvore ficara imponente e colorida, as crianças passavam a noite olhando as luzes piscarem. Depois, quando todos iam dormir, ele é quem ficava sozinho, gozando a árvore de Natal, espantando-se com suas luzes.
Afinal, conseguiu guardar os embrulhos nos fundos de um armário. A casa, os móveis, os lustres, o braço macio e branco da mulher que aparece na porta que dá para a copa, o cheiro das rabanadas, a geladeira abarrotada de coisas gostosas. As meninas batem palmas, acompanhando o anúncio da TV no qual há um trenó puxando o Papai Noel pela neve.
Está cansado, levara empurrões pela cidade para comprar tantos presentes contraditórios e agora tinha de esperar pela ceia, fazer as crianças irem para a cama, depois o trabalhão de apanhar os embrulhos, a bicicleta, o skate --por tudo isso, ele se sentia exausto e fechava os olhos.
E está de olhos fechados quando há um silêncio assombroso em torno de tudo. As meninas pararam de bater palmas. A mulher vem lá de dentro, trazendo a ceia e as rabanadas. Ele abre os olhos mais uma vez para ver aquilo tudo, a felicidade que tem cheiro de rabanada e abacaxi, que agora parece um rei coroado de fitas vermelhas no meio de outras frutas mesquinhas e súditas. Então descobre que o Natal caiu sobre o mundo como um manto silencioso e profundo e ele se sente coroado como um rei cujo reino durará o espaço de uma ceia.
Texto de Carlos Heitor Cony na Folha de São Paulo.
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