Por duas décadas, ambientalistas palestinos e israelenses deixaram de lado suas diferenças para pedir por medidas urgentes para tratar da crise de água iminente na Faixa de Gaza. Esses pedidos foram ignorados. O preço da inação, do conflito prolongado e de políticas insustentáveis está sendo pago hoje pelo 1,7 milhão de moradores de Gaza, que enfrentam condições catastróficas graças ao colapso do sistema de esgoto de Gaza.
Desde o bloqueio israelense e egípcio, Gaza não possui combustível suficiente para sustentar sua necessidade de eletricidade e manter suas 290 instalações de água e esgoto funcionando. O governo do Hamas se recusa a comprar combustíveis alternativos porque os impostos sobre eles iriam para a Autoridade Palestina, controlada pelo rival Fatah. Consequentemente, as estações de bombeamento deixaram de operar em novembro e muitas ruas no sul da Cidade de Gaza estão agora inundadas de excremento humano.
Os moradores precisam proteger suas casas com sacos de areia para não serem inundados por esgoto. O mau cheiro é intolerável. Com as estações de bombeamento inoperantes, água potável também deixará em breve de chegar às torneiras.
O impacto sobre a saúde já é aparente. Segundo um recente levantamento da Unicef, 20% das crianças de Gaza sofrem de doenças transmitidas pela água. Sem uma ação corretiva, a situação só piorará.
Além da decência humanitária, há amplos motivos pragmáticos para Israel se preocupar. Todo dia, 99 mil metros cúbicos de esgoto são despejados no Mediterrâneo. O próprio abastecimento de água potável de Israel cada vez mais depende de dessalinização da água do mar. Uma de suas maiores instalações, em Ashkelon, fica a poucos quilômetros ao norte da costa de Gaza. Erguer um muro pode impedir a infiltração de terroristas, mas não pode deter o fluxo das fezes.
Essa crise de esgoto é apenas a manifestação mais aguda do pesadelo hidrológico de Gaza. A pressão sobre os recursos de água há muito se tornou insustentável. Historicamente, Gaza obtinha sua água de um aquífero raso abaixo de seu solo arenoso. Esse aquífero já tinha sido explorado em excesso antes de 1967, quando o Egito controlava a Faixa de Gaza, e ocorreu uma extensa contaminação por água do mar. Sua recarga anual pelas chuvas não passa de 51 milhões a 54 milhões de metros cúbicos, mas a crescente população de Gaza usa mais de 170 milhões de metros cúbicos de água por ano. Esse déficit crescente exacerba o problema: no ano passado, a ONU relatou que 95% da água do aquífero é imprópria para consumo humano por causa da poluição causada pela infiltração de água do mar, fertilizantes e esgoto. A demanda deverá aumentar em 60% até 2020.
Cientes de que a água em suas torneiras os adoece, muitos moradores de Gaza compram água engarrafada e filtrada a um preço considerável. Outros agem por conta própria. Após a retirada israelense em 2005, milhares de poços não registrados foram perfurados em Gaza –fazendo com que a qualidade da água e do lençol freático caiam ainda mais.
A crise de água em Gaza pode ser tratada, mas uma mudança fundamental é necessária para dar início ao lento processo de restauração do aquífero. O consumo de água precisa ser controlado.
Uma redução pode ser obtida por meio de uma melhor preservação na oferta doméstica e na agricultura, enquanto nova infraestrutura economizaria a perda por vazamentos no sistema municipal. Mas correções técnicas não reduzirão a demanda enquanto a população de Gaza continuar crescendo a uma taxa anual de 3,2%.
Uma moratória completa da extração de águas subterrâneas é imperativa. A água de Gaza deve vir de fontes alternativas, como programas abrangentes para coleta de água de chuva e de captação do escoamento nas ruas. O tratamento de esgoto deve ser modernizado para que as águas residuais possam ser reutilizadas na agricultura (como é feito em Estados americanos com escassez de água como o Texas e o Arizona).
Finalmente, grande parte da água de Gaza deve vir do mar. A dessalinização é feita desde os tempos romanos. Hoje, economias de escala e melhorias na tecnologia de osmose reversa reduziram significativamente o preço da água dessalinizada. A autoridade de água de Israel relata que, em média, cada uma das cinco grandes instalações de Israel pode produzir 1.000 litros de água por aproximadamente US$ 0,60.
Há mais de 20 anos se discute uma grande usina de dessalinização para Gaza, mas nada foi feito. Grandes instalações de dessalinização poderiam fornecer facilmente aos moradores de Gaza água potável a preço acessível. Há várias pequenas usinas piloto já em operação, a maioria patrocinada por agências internacionais, mas elas só podem atender uma fração da demanda atual.
A autoridade de água palestina aprovou uma instalação de grande escala de US$ 500 milhões, que conta com o apoio de Israel. E Israel discretamente começou a oferecer aos palestinos treinamento em dessalinização. Mas com o financiamento duvidoso, persistem os adiamentos da construção.
O outro obstáculo é que as usinas de dessalinização exigem grande quantidade de eletricidade, que é escassa em Gaza, onde grande parte da eletricidade ainda é fornecida pela companhia elétrica de Israel. O conflito entre o governo de Gaza e Israel não ajuda na situação, apesar de Israel permanecer comprometido em vender eletricidade aos territórios palestinos, incluindo Gaza. Israel continua vendendo água para Gaza, e ambas as partes concordaram em um aqueduto que dobrará a quantidade de água fornecida para a Faixa de Gaza.
É claro, esse tipo de boa vontade poderia facilitar o progresso das negociações de paz entre israelenses e palestinos. Mas sem nenhum sinal de avanço significativo nas negociações, é hora de pensar em uma dissociação da crise da água de outros assuntos mais intratáveis. O acordo interino de água assinado em 1995 precisa refletir as novas realidades de Gaza, mas não há motivo para seu povo carecer de recursos básicos de água.
O Programa Ambiental das Nações Unidas alerta que, se as tendências atuais persistirem, o aquífero de Gaza poderá estar irreversivelmente comprometido até 2020. Esta é uma área onde a comunidade internacional poderia se envolver para promover uma melhoria significativa na qualidade de vida dos palestinos. Isso, ao menos, descontaminaria um ambiente perigosamente tóxico.
Desde o bloqueio israelense e egípcio, Gaza não possui combustível suficiente para sustentar sua necessidade de eletricidade e manter suas 290 instalações de água e esgoto funcionando. O governo do Hamas se recusa a comprar combustíveis alternativos porque os impostos sobre eles iriam para a Autoridade Palestina, controlada pelo rival Fatah. Consequentemente, as estações de bombeamento deixaram de operar em novembro e muitas ruas no sul da Cidade de Gaza estão agora inundadas de excremento humano.
Os moradores precisam proteger suas casas com sacos de areia para não serem inundados por esgoto. O mau cheiro é intolerável. Com as estações de bombeamento inoperantes, água potável também deixará em breve de chegar às torneiras.
O impacto sobre a saúde já é aparente. Segundo um recente levantamento da Unicef, 20% das crianças de Gaza sofrem de doenças transmitidas pela água. Sem uma ação corretiva, a situação só piorará.
Além da decência humanitária, há amplos motivos pragmáticos para Israel se preocupar. Todo dia, 99 mil metros cúbicos de esgoto são despejados no Mediterrâneo. O próprio abastecimento de água potável de Israel cada vez mais depende de dessalinização da água do mar. Uma de suas maiores instalações, em Ashkelon, fica a poucos quilômetros ao norte da costa de Gaza. Erguer um muro pode impedir a infiltração de terroristas, mas não pode deter o fluxo das fezes.
Essa crise de esgoto é apenas a manifestação mais aguda do pesadelo hidrológico de Gaza. A pressão sobre os recursos de água há muito se tornou insustentável. Historicamente, Gaza obtinha sua água de um aquífero raso abaixo de seu solo arenoso. Esse aquífero já tinha sido explorado em excesso antes de 1967, quando o Egito controlava a Faixa de Gaza, e ocorreu uma extensa contaminação por água do mar. Sua recarga anual pelas chuvas não passa de 51 milhões a 54 milhões de metros cúbicos, mas a crescente população de Gaza usa mais de 170 milhões de metros cúbicos de água por ano. Esse déficit crescente exacerba o problema: no ano passado, a ONU relatou que 95% da água do aquífero é imprópria para consumo humano por causa da poluição causada pela infiltração de água do mar, fertilizantes e esgoto. A demanda deverá aumentar em 60% até 2020.
Cientes de que a água em suas torneiras os adoece, muitos moradores de Gaza compram água engarrafada e filtrada a um preço considerável. Outros agem por conta própria. Após a retirada israelense em 2005, milhares de poços não registrados foram perfurados em Gaza –fazendo com que a qualidade da água e do lençol freático caiam ainda mais.
A crise de água em Gaza pode ser tratada, mas uma mudança fundamental é necessária para dar início ao lento processo de restauração do aquífero. O consumo de água precisa ser controlado.
Uma redução pode ser obtida por meio de uma melhor preservação na oferta doméstica e na agricultura, enquanto nova infraestrutura economizaria a perda por vazamentos no sistema municipal. Mas correções técnicas não reduzirão a demanda enquanto a população de Gaza continuar crescendo a uma taxa anual de 3,2%.
Uma moratória completa da extração de águas subterrâneas é imperativa. A água de Gaza deve vir de fontes alternativas, como programas abrangentes para coleta de água de chuva e de captação do escoamento nas ruas. O tratamento de esgoto deve ser modernizado para que as águas residuais possam ser reutilizadas na agricultura (como é feito em Estados americanos com escassez de água como o Texas e o Arizona).
Finalmente, grande parte da água de Gaza deve vir do mar. A dessalinização é feita desde os tempos romanos. Hoje, economias de escala e melhorias na tecnologia de osmose reversa reduziram significativamente o preço da água dessalinizada. A autoridade de água de Israel relata que, em média, cada uma das cinco grandes instalações de Israel pode produzir 1.000 litros de água por aproximadamente US$ 0,60.
Há mais de 20 anos se discute uma grande usina de dessalinização para Gaza, mas nada foi feito. Grandes instalações de dessalinização poderiam fornecer facilmente aos moradores de Gaza água potável a preço acessível. Há várias pequenas usinas piloto já em operação, a maioria patrocinada por agências internacionais, mas elas só podem atender uma fração da demanda atual.
A autoridade de água palestina aprovou uma instalação de grande escala de US$ 500 milhões, que conta com o apoio de Israel. E Israel discretamente começou a oferecer aos palestinos treinamento em dessalinização. Mas com o financiamento duvidoso, persistem os adiamentos da construção.
O outro obstáculo é que as usinas de dessalinização exigem grande quantidade de eletricidade, que é escassa em Gaza, onde grande parte da eletricidade ainda é fornecida pela companhia elétrica de Israel. O conflito entre o governo de Gaza e Israel não ajuda na situação, apesar de Israel permanecer comprometido em vender eletricidade aos territórios palestinos, incluindo Gaza. Israel continua vendendo água para Gaza, e ambas as partes concordaram em um aqueduto que dobrará a quantidade de água fornecida para a Faixa de Gaza.
É claro, esse tipo de boa vontade poderia facilitar o progresso das negociações de paz entre israelenses e palestinos. Mas sem nenhum sinal de avanço significativo nas negociações, é hora de pensar em uma dissociação da crise da água de outros assuntos mais intratáveis. O acordo interino de água assinado em 1995 precisa refletir as novas realidades de Gaza, mas não há motivo para seu povo carecer de recursos básicos de água.
O Programa Ambiental das Nações Unidas alerta que, se as tendências atuais persistirem, o aquífero de Gaza poderá estar irreversivelmente comprometido até 2020. Esta é uma área onde a comunidade internacional poderia se envolver para promover uma melhoria significativa na qualidade de vida dos palestinos. Isso, ao menos, descontaminaria um ambiente perigosamente tóxico.
Reportagem de Alon Tal e Youssef Abu Mayla para o The New York Times, reproduzida no UOL. Tradutor: George El Khouri Andolfato
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