Magomed Abdusalamov, peso-pesado russo, enfrentou Mike Perez em 2 de novembro. Ele esperava uma luta dura, dessas que, por ser transmitida pela TV, poderia impulsionar sua carreira.
O combate durou dez assaltos, e Abdusalamov foi o mais castigado na troca de golpes.
O sangue pingava do seu nariz e dos cortes em seu supercílio esquerdo. Ele travou a maior parte da luta com a mão quebrada. Seu empresário, Sampson Lewkowicz, disse que cogitou tentar encerrar a luta no oitavo assalto. Os seguranças o impediram.
Depois da luta, cronistas e empresários do boxe se reuniram em um bar e rememoraram o combate. Eu estava entre eles.
O consenso: ótima luta, cheia de ação.
Mais ou menos na mesma hora, Abdusalamov saiu da arena e vomitou no meio-fio. Um táxi o deixou no hospital. Os médicos pediram que seu irmão autorizasse uma cirurgia.
Abdusalamov, segundo eles, tinha meia hora de vida.
Uma tomografia cerebral mostrou um inchaço e um coágulo. Os médicos induziram o pugilista ao coma e removeram uma parte do seu crânio. Uma vez em coma, Abdusalamov teve um derrame.
Sua família se instalou na UTI, onde permanece desde então. Sua mulher veio de avião da Flórida com as três filhas, de 11 meses, de 4 anos e de 8 anos. "Da-da", fica dizendo a mais nova. Durante a luta, fiquei sentado a três metros dos pugilistas. Vi o rosto de Abdusalamov inchado e desfigurado. Que guerreiro, pensei. Que luta.
Nas semanas desde então, luto com questões a respeito do que me leva a cobrir esse esporte, em que tantos terminam mortos ou neurologicamente sequelados.
O pugilista Bernard Hopkins, conhecido como "O Executor", falou comigo sobre isso.
Hopkins se lembra de visitar um colega, Leavander Johnson, que jazia em coma após uma cirurgia cerebral. Hopkins ficou em pé de um lado do leito. Oscar de la Hoya, um homem a quem Hopkins havia nocauteado certa vez, estava no outro lado. "Cara", disse Hopkins a De la Hoya, conforme contaria depois, "veja o que os nossos corpos aguentam".
Johnson morreu, mas nenhum dos dois cogitou se aposentar.
Hopkins, 48, lutou em outubro. Ele diz que o pugilismo salvou sua vida. "Não espero que você entenda", disse ele. "Quer dizer: quanta gente sai para trabalhar e diz, literalmente diz, 'Eu posso morrer hoje à noite'? Mas isso é o boxe. Sempre que há uma luta, há uma possibilidade de morte."
Hopkins diz que a cultura do boxe se tornou ainda mais cruel nos últimos anos, celebrando selvagens banhos de sangue em vez da habilidade técnica. "O grande Sugar Ray Robinson, o maior lutador que já existiu, seria visto como tedioso hoje, na mentalidade dos manipuladores."
Ray "Boom Boom" Mancini sabe como é matar um homem no ringue. Em 1982, em Las Vegas, ele enfrentou um sul-coreano chamado Duk-koo Kim, com transmissão pela TV aberta. A ação foi rápida; os golpes, numerosos e ferozes.
Kim morreu dias depois, e Mancini ficou deprimido. Ele continuou a lutar e fez as pazes com o ocorrido, mas as pessoas frequentemente lhe perguntam como é bater em alguém até matar. Ele nunca quis que esse momento o definisse. "Ninguém sai ileso", disse Mancini. "A questão é até que ponto."
Pugilistas morrem -não com a frequência de antes, graças a regras mais rigorosas, à supervisão médica, a carreiras mais curtas e a lutas com menos assaltos. Mas morrem.
Mais de 230 boxeadores morreram na década de 1920, e 103 morreram nos anos 2000, segundo um estudo de Joseph Svinth publicado em 2011 na "Manuel Velazquez Collection", da revista "Journal of Combative Sport". Seis pugilistas morreram em 2010 e três em 2011, segundo o estudo.
Os envolvidos -empresários, agentes, treinadores e executivos de TV- observam que há outras atividades perigosas, como o futebol americano, o hóquei e o automobilismo. Mas esses argumentos apenas contornam uma verdade incontestável. A violência não é apenas parte do boxe, é a melhor parte, a espinha dorsal do esporte. É o que as pessoas pagam para ver. Já cobri todo tipo de esporte e sempre digo que os melhores e mais eletrizantes 30 segundos são os que antecedem uma luta importante. O Super Bowl parece só um jogo. Uma luta de boxe parece ser algo além.
Os membros da equipe de Abdusalamov deram de ombros diante da ideia de proibir o boxe.
Um deles, o empresário Boris Grinberg, contou que gosta de assistir ao noticiário local nova-iorquino. "Todo dia alguém atira, alguém mata", afirmou. "Então, precisamos fechar Nova York talvez? É a vida."
Greg Bishop para o The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo.
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