"O BRASIL só volta a funcionar depois do Carnaval", diz a lenda. Fecha por estes dias de "festas", reabre nas Cinzas. O ano que vem, de Copa, eleições e um abril generoso de feriados, seria ainda menor (em 2014, Tiradentes, 21 de abril, vem logo depois da Semana Santa).
É verdade que vadiaremos até o Carnaval? Não, óbvio que não. O dito popular faz parte do nosso repertório de frases autodepreciativas e, no caso, ressentidas. Para os adeptos do clichê, o país seria uma droga porque somos carnavalescos demais, adeptos da folgança. No entanto, quase todos vamos trabalhar como sempre até o Carnaval e depois; talvez durante também. Mas um invejado "alguém", um bode expiatório, vadiaria no início do ano.
É verdade, ainda assim, que o país para até o Carnaval? De certo modo, sim, como outros. A Europa Ocidental fica meio morta no verão. Mesmo os americanos dão uma pausa, até no mercado financeiro. O "depois do Carnaval" deles é setembro, mês de simbolismos (políticos e sociais), de "volta à real" e de mudanças de humor significativas. Afora o fim das férias, lamenta-se que virão o frio e os dias curtos e escuros. Aqui, temos as férias das crianças. O trânsito de São Paulo fica 1,347% menos infernal. Circula-se menos, consome-se menos.
O número de horas trabalhadas cai no primeiro bimestre ou trimestre. Há menos gente trabalhando. Descontadas outras influências, no início do ano a quantidade de horas trabalhadas cai de 1,5% a 2%. Parece pouco. Mas, na média, em meses "normais", queda desse tamanho seria sinal de crise feia.
O que se passa é meio óbvio. Trabalhadores temporários do comércio, alguns serviços e indústria perdem o emprego após o esforço de produção e vendas para os meses melhores, no final do ano. Há folgas coletivas. A construção, em especial nos Estados da estação de chuvas (centro-sul), reduz a marcha.
O comércio pena com a classe média sazonalmente depauperada: as pessoas gastaram demais no final do ano e serão atropeladas por impostos e conta da escola privada.
Sim, há recessos no serviço público, no Judiciário e nos Parlamentos, o que chama a atenção, dada a má fama laboral dos políticos. Com o recesso, o governo fica na leseira. Como o Brasil depende demais do governo (dinheiro, favores e fofocas), parece ainda mais que o tempo parou. Sim, não há futebol ou esportes em geral; o pessoal de teatro e música dá um tempo. Aparecem vinhetas de Carnaval na TV e reportagens de praia. Parece que está todo mundo fazendo fantasia de Carnaval e tostando na areia, menos a gente. Só que não. Sim, muda o "climão". Sim, nós e o resto do mundo passamos por ciclos. Só isso.
Texto de Vinicius Torres Freire na Folha de São Paulo.
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