segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Protestos tailandeses refletem profundas divisões em um país em mudança


Anand Panyarachun, um dos maiores estadistas da Tailândia, recentemente observou que seu país parecia ter tudo a seu favor -recursos naturais abundantes, bom clima e geografia livre de tufões ou erupções vulcânicas.

No entanto, a Tailândia, segundo ele, continua "tirando o próprio fio da tomada" com uma política destrutiva.

"Eu não sei explicar o que continua a ofuscar tanta coisa boa", disse ele.

As ondas de agitação violenta ao longo dos últimos sete anos, incluindo os duros protestos iniciados na semana passada, frequentemente são atribuídas à luta altamente personalizada entre opositores e aliados de Thaksin Shinawatra, magnata e ex-primeiro-ministro que foi deposto em um golpe de Estado em 2006, mas que continua sendo uma força política tailandesa.

No entanto, pesquisadores e historiadores dizem que algo mais profundo está adoecendo o país, o desmembramento de um velho consenso sobre quem detém o poder e quem recebe as benesses do governo, questões que perdurarão, que continuarão lá muito tempo depois do último manifestante voltar para casa.

"O que vem acontecendo na Tailândia não diz respeito a Thaksin, nem mesmo aos conflitos entre a elite: é uma mudança socioeconômica, uma enorme mudança que tem ocorrido nos últimas duas décadas", disse Nidhi Eoseewong, historiador proeminente.

Para Nidhi, o país mudou junto com o rápido crescimento econômico da Ásia. Milhões de camponeses subiram para a classe média e estão clamando por mais representação. "A velha elite, incluindo a classe média estabelecida, não quer tolerar a sua participação", disse ele.

Os protestos da semana passada ilustraram como o antigo status-quo se sente ameaçado pelo poder das massas provinciais.

O líder dos protestos, Suthep Thaugsuban, ex-executivo do Partido Democrata, o mais antigo partido político da Tailândia, exigiu que o país abandonasse o seu sistema eleitoral em favor de um Conselho Popular não eleito e mal definido.

Suthep declarou na terça-feira (3) o que chamou de "uma vitória parcial -ainda não absoluta" em nome dos manifestantes, após a polícia tailandesa empregar uma nova tática que devolveu a calma às ruas. Os policiais de choque tiraram o arame farpado, baixaram os escudos e abriram as portas de um complexo policial que os manifestantes haviam prometido cercar.

O chefe da polícia de Bancoc, Kamronvit Thoopkrachang, disse à Reuters que, agora, "evitar o confronto era a política do governo".

Os manifestantes que entraram no prédio foram saudados com cortesia pelos policiais. O resultado foi uma trégua confusa, mas estranhamente pacífica, embora Suthep tenha prometido não desistir de sua campanha contra o governo. "Não podemos ir para casa agora", disse aos seus partidários. "Nós temos que continuar lutando".

No final da tarde de terça-feira (3), o governo informou que quatro pessoas foram mortas e 256 ficaram feridas na violência relacionada com as manifestações.

A fonte de desconfiança dos manifestantes em relação à política eleitoral parece clara. O Partido Democrata perdeu todas as eleições desde 1992, principalmente porque não conseguiu ganhar apoio entre a classe média rural emergente no Norte.

A mudança de poder eleitoral de Bancoc para as províncias do Norte é ainda mais desestabilizadora porque vem em meio à incerteza sobre o futuro da monarquia da Tailândia. Em suas mais de seis décadas no trono, o rei Bhumibol Adulyadej, que fará 86 anos na quinta-feira, ajudou a definir a identidade do país e a dar coesão para os seus vários grupos linguísticos e étnicos. Mas alguns analistas dizem que a adoração do rei foi uma muleta para a nação e que sua morte poderia testar ainda mais as relações frágeis entre as elites, a classe média emergente e os poderosos militares.

As lutas pelo poder entre Bancoc e as províncias, especialmente o Nordeste populoso, têm pelo menos um século, de acordo com Charles Keyes, estudioso americano que é autor de um novo livro sobre a integração do Nordeste ao Estado tailandês.

Uma insurreição de nordestinos foi brutalmente reprimida pelas tropas do governo em 1902. Meio século depois, um governo autoritário ordenou o assassinato de um número de proeminentes políticos nordestinos.

"Tem havido tentativas recorrentes de negociar o direito de ser reconhecido, de ter uma voz política e de determinar seu próprio futuro", disse Keyes sobre o Nordeste da Tailândia, cujos habitantes falam Lao, uma língua distinta, mas relacionada ao tailandês. "Nós vemos vários sinais disso hoje".

A política eleitoral e, especialmente, a ascensão do partido de Thaksin e seu foco em áreas rurais têm permitido que a parte Norte da Tailândia se afirme. O Nordeste da Tailândia, que já foi considerado um lugar atrasado, ainda é mais pobre do que Bancoc, mas supera a capital em crescimento econômico. O Nordeste, que dependia quase que exclusivamente da agricultura de subsistência, hoje tem indústrias, shopping centers e universidades.

A região, que abriga um terço dos eleitores do país, pode efetivamente fazer ou quebrar governos. As políticas do governo procuram atender o Nordeste, incluindo um programa altamente controverso que paga aos agricultores um preço bem acima do mercado pelo arroz -a um grande custo para o Estado.

Para os eleitores em Bancoc, isso é difícil de suportar.

"Eu entendo que a democracia significa ser governado por uma maioria", disse Chaiwat Chairoongrueng, funcionário público de 36 anos de idade, protestando na semana passada. "Mas você não pode usar a maioria para mandar em tudo".

Os manifestantes não tentaram esconder o seu sentimento de superioridade, ecoando os líderes da manifestação que repetidamente descrevem os manifestantes como "pessoas boas" combatendo o mal.

"Nós somos a classe média, somos educados e sabemos mais", disse Saowanee Usanakornkul, uma mulher de 43 anos do Sul da Tailândia, que participou da manifestação. "Nós sabemos o que é certo e errado. Mas os pobres não sabem de nada. Eles elegem as pessoas que lhes dão dinheiro".

Nos últimos dias, enquanto os protestos se acirravam, havia muitos rumores em Bancoc sobre grupos sombrios no comando das manifestações. Os meios de comunicação tailandeses fazem sempre matérias sobre a perspectiva de outro golpe militar.

Benedict Anderson, especialista em Sudeste Asiático da Universidade de Cornell, ao discutir a política tailandesa logo após os últimos confrontos violentos em Bancoc -quando uma repressão militar deixou mais de 90 mortos em 2010, citou o escritor italiano Antonio Gramsci para ilustrar seus temores: "Quando o velho se recusa a morrer, e o novo está lutando para nascer, monstros aparecem".

Nidhi, o historiador, disse que pode levar anos até a Tailândia chegar a um novo consenso dominante que torne o país mais estável.

"Em todas as sociedades, a política precisa de tempo para se adaptar às grandes transformações sociais", disse ele. "Você tem que dar à Tailândia mais tempo".




Reportagem de Thomas Fuller, para o The New York Times, reproduzida no UOL. Tradução: Deborah Weinberg  

Nenhum comentário:

Postar um comentário