quinta-feira, 11 de junho de 2015

Quem planta tomates colherá tomates

Não falemos de política nem de desigualdades sociais. Falemos de eficácia. Esta parece ser a única linguagem que os tecnocratas do poder –que apregoam o fim das ideologias, embora preservem as suas à ferro e fogo– legitimam no debate público.
Sabemos que no âmbito social e político o ajuste fiscal da presidenta Dilma é desastroso. Corta investimentos sociais, faz retrair a geração de empregos e retira direitos dos trabalhadores. Enfim, faz o andar de baixo pagar a conta da crise.
Mas ele é legitimado pelo discurso da eficácia. Um remédio amargo para ajustar as contas públicas, retomar a credibilidade junto aos investidores e, após a travessia, estimular um novo ciclo de crescimento. Vem o ministro Levy, homem das finanças, PhD em alguma coisa importante, diz isso e pronto! Num passe de mágica se legitimam as piores perversidades em nome de uma eficiência futura.
O problema é que, além de socialmente antipopular, este ajuste é economicamente ineficaz. Falemos, pois, de eficácia.
Aumento de juros, redução de crédito público e congelamento de obras de infraestrutura desaquecem a economia. São medidas recessivas. Vejamos os dados: de janeiro a abril deste ano, segundo o Iedi (Institutos de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), a indústria brasileira recuou 6,3% em relação a 2014. No setor de bens de capital, emblemático para as perspectivas futuras, o recuo foi de 19,7%. Na indústria automotiva foi de 21,3%.
A construção civil, carro-chefe do crescimento nos últimos anos, teve queda de 2,9% no primeiro trimestre e estima queda ainda maior, de 5,5% no ano.
Isso significa desemprego, mas não só. Se cai o crescimento, cai a arrecadação. No primeiro trimestre, a arrecadação federal já foi 4,4% menor em relação ao mesmo período de 2014. E tende a se agravar.
Se o governo arrecada menos, a situação fiscal se agrava. Essa é a falha na fórmula dos ajustes fiscais recessivos. Na medida em que inibem o crescimento, reduzem a arrecadação, desequilibrando ainda mais as contas. O ajuste torna-se um desajuste.
O mesmo se passa em relação aos juros. O aumento da taxa de juros é um fator de depressão econômica, já que dificulta a concessão de créditos para alimentar a produção e o consumo. Mas, além disso, esse aumento afeta diretamente a situação fiscal, já que uma parte dos títulos da dívida pública é atrelada à Selic, aumentando o montante destinado à rolagem da dívida.
Não foi por acaso que os memoráveis ajustes recessivos de FHC e de seu ministro Malan alcançaram a proeza de, em oito anos, dobrar a dívida brasileira em relação ao PIB, passando de 30,6% em 1995 para 60,4% em 2002. Convenhamos, não foram anos de crescimento econômico e sequer de situação fiscal controlada.
Mas não precisamos voltar aos anos 90. Basta vermos o que ocorre com a Europa atualmente. Desde 2008, a Europa tem sido palco de ajustes recessivos e antipopulares, nos mesmos moldes daqueles impostos na América Latina na década de 90 e do aplicado agora por Dilma.
Faz sete anos. Quais os resultados? O desemprego é galopante, os níveis de pobreza inéditos no continente. A economia, por seu lado, vai de mal a pior: a média de crescimento no pós-crise (2009 a 2014) na Itália é de -1,4%, na França de 0,2%, e na Alemanha –locomotiva da UE– de pífios 0,8%. Já a dívida pública parece incontrolável: no Reino Unido, passou de 67% do PIB em 2009 para 92% em 14; na Grécia, de 129% para 174%; e na Espanha, de 54% para 98,6%.
Isso depois de sete anos de políticas de austeridade e sacrifício. Essa é a travessia no deserto que está sendo proposta agora no Brasil. Diante de tantas perspectivas negativas, nem Moisés se atreveria a apostar na chegada à terra prometida do crescimento. Ou como diz Vinícius de Moraes: para crer numa dessas, só com certidão passada em cartório do céu e assinado embaixo "Deus". E com firma reconhecida.
O misticismo da recuperação de confiança e da avalanche de investimentos futuros, na verdade, oculta uma chantagem do mercado financeiro. Ou faz a política que eles querem, ou suas agências de risco retiram o "grau de investimento" do país, desencadeando um possível ataque especulativo. Vale dizer, as mesmas agências que abonaram em 2008 os papéis podres de corporações à beira da bancarrota. Credibilidade não é o seu forte.
O governo Dilma está refém desta chantagem e aplica uma política econômica que não deu certo em lugar algum e nem dará por aqui. Só produz desemprego, concentração de renda e mais desajuste fiscal.
Como diz a sabedoria popular, "quem planta tomates colherá tomates". Quem planta juros e recessão, colherá mais juros e mais recessão. 


Texto de Guilherme Boulos, na Folha de São Paulo

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