quinta-feira, 11 de junho de 2015

O bonde da história

Sumiram os bondes de Santa Teresa. Em agosto de 2011, um bonde subiu, desceu e cumpriu profecia de Machado de Assis: acabou no necrotério. Os freios falharam. O bonde lotado descarrilhou, tombou numa curva e derrubou um poste. Seis pessoas morreram. Desde então o governo do Rio não conseguiu recolocá-los nos trilhos.
Na segunda metade do século 19, os bondes espalhavam modernidade por vários bairros cariocas. A linha para Santa Teresa foi aberta em 1896, durante a República Velha. Escreveu à época Machado de Assis: "Inauguraram-se os bonds de Santa Teresa. Quando um bond sobe, outro desce. O pior é, se um dia, naquele subir e descer, descer e subir, subirem uns para o céu e outros descerem ao purgatório, ou quando menos ao necrotério. (...) Mas inauguraram-se os bonds. Agora é que Santa Teresa vai ficar à moda."
A opção rodoviária da cidade matou os bondes. Desde 1968, só os amarelinhos de Santa Teresa resistiram, colorindo as ladeiras do bairro, com moradores e turistas pendurados à porta. O acidente trágico interrompeu sua circulação.
A história recente é uma sucessão de erros: antes do acidente, a manutenção era falha; a licitação para reforma dos bondes só foi atrativa para um único consórcio, que coleciona erros na execução das obras. Novos bondes ficaram prontos, mas erraram na bitola dos trilhos. Dos 17 quilômetros previstos, só 25% foram feitos. O prazo de entrega foi esquecido.
O orçamento da obra é de R$ 90 milhões. O consórcio Elmo-Azvi já foi multado em R$ 900 mil. O secretário de Transportes ameaça cancelar a licitação, se o ritmo das obras não melhorar. Sabe-se lá quando um dos bairros mais charmosos e turísticos do Rio terá de volta seu principal transporte. O bonde parado é o símbolo da imobilização do governo estadual. O Rio volta e meia parece ser atropelado pelo bonde da história.


Texto de Paula Cesarino Costa, na Folha de São Paulo

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