"A felicidade é uma ideia nova na Europa." Com esta frase, Louis Antoine de Saint-Just proclamava, em meio à Revolução Francesa, o início de um tempo inquieto. Um tempo que lutaria de todas as formas para que esta ideia nova fosse ouvida em toda a Europa, constituindo uma nova aliança dos povos. Nela, enunciava-se o desejo de uma felicidade que não seria apenas fruto da crença na possibilidade autônoma de autorrealização individual, mas que só seria plena através da constituição de sociedades igualitárias e profundamente solidárias.
Mais de 200 anos depois, o significante "Europa" voltou a circular no interior de um novo projeto sociopolítico. Era o início da constituição da Comunidade Europeia, sem dúvida uma das mais impressionantes engenharias políticas da história ocidental. Muitos viram, na época, a oportunidade de uma "Europa social" e plural, no interior da qual poderia emergir, pela primeira vez, um poder constituinte pós-nacional.
Falar isto hoje soa quase como uma piada. Em algumas horas, a Europa irá morrer. Infelizmente, não morrerá o corpo de tecnocratas da Comunidade Europeia com sua ortodoxia econômica feita sob medida para salvar bancos falidos à procura de dinheiro estatal para sobreviver. Não morrerá o corpo político que só consegue estar de acordo para colocar em marcha políticas cada vez mais vergonhosas contra imigrantes. Não morrerá a Europa dos medos seculares. Morrerá a Europa que um dia quis encarnar uma ideia nova de felicidade.
Independentemente do resultado das negociações com a Grécia, o papel deplorável de uma Europa incapaz de reconhecer que os empréstimos gregos serviram apenas para realimentar os bancos europeus, que luta para levar o povo grego ao abatedouro intervindo, em um nível inimaginável de ingerência, em suas aposentadorias e políticas contra a precarização, estará selado.
Não há nenhuma ideia nova na Europa, apenas a velha irracionalidade econômica de sempre. Neste sentido, os alemães, arautos atuais da ortodoxia, deveriam lembrar que, se tivessem sido tratados da mesma forma com os empréstimos para a reconstrução nacional depois da Segunda Guerra, estariam até hoje vivendo sob ruínas. Até o Plano Marshall era mais novo que a política atual da Troika.
Se o governo grego do Syriza fez algum erro foi o de acreditar na racionalidade dos gestores do capitalismo atual. Mais sensato do que ver seu povo destroçado por uma política econômica suicida é pedir moratória e sair de uma vez da zona do euro. De toda forma, a Europa morreu, pois nada vive sem ideia.
Texto de Vladimir Safatle, na Folha de São Paulo.
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