Nenhum livro de autoajuda é completamente inútil. Por mais que minha tendência seja desprezar esse tipo de publicação, acabo me sentindo melhor depois de uma horinha de leitura. E um pouco de humildade também não faz mal.
Será que eu sou tão bagunceiro assim? E, se for, qual o grande problema disso? Foi o que pensei quando abri "A Mágica da Arrumação", de Marie Kondo (ed. Sextante, R$24,90, 160 págs.).
O livro explica "a arte japonesa de colocar ordem na sua casa e na sua vida". Não estou precisando desesperadamente desse tipo de conselhos, repito, mas de todo modo fiquei intrigado. É que o livro, segundo diz a capa, atingiu o primeiro lugar na lista do jornal "The New York Times", com mais de dois milhões de exemplares vendidos.
Caramba, pensei. Será que é tão grande o número de bagunceiros em busca de ajuda? Sim, sem dúvida –mas há um pequeno truque de marketing nisso.
De todos os grupos de pessoas que precisam de ajuda neste mundo, os bagunceiros são os melhores clientes que alguém pode imaginar. O problema deles não é tanto a desordem na casa, mas o fato de serem consumistas irrecuperáveis.
Pela mesma razão que possuem dezenas de pares de sapatos e pouco lugar para guardá-los, serão os primeiros a levar para sua casa, já atulhada de coisas, o livro de Kondo.
De modo que esse livro termina se vendendo sozinho –é o oposto do que ocorreria, digamos, com um manual intitulado "Acabe Hoje Mesmo com a Sua Avareza".
De fato, existem casos espantosos entre os clientes de Marie Kondo: uma pessoa que guardava 20 mil cotonetes em casa, por exemplo. Obviamente, o principal esforço de "A Mágica da Arrumação" será persuadir o leitor de que, antes de tudo, é preciso jogar muita tralha para fora de casa.
Sim. Mas isso não é necessariamente um "segredo" que deva ser explicado em quase 160 páginas. A autora adota então uma estratégia particular, que pode parecer ridícula à primeira vista, mas aos poucos revela sua profundidade (e sua tristeza).
O primeiro passo na arrumação, diz, é não pensar em lugares, mas em categorias de objetos. Ou seja, não resolva "arrumar o quarto" hoje e "arrumar a sala" amanhã.
Pois o bagunceiro espalha as mesmas coisas em todos os lugares. Que comece com um gênero de coisas. As roupas, por exemplo. Tomará então uma atitude brutal: jogar tudo, absolutamente tudo, no chão. Só assim, no raciocínio da autora, cada objeto sairá de seu contexto, será visto como se pela primeira vez.
Cada objeto, echarpe, casaco ou cueca, terá então de responder a uma pergunta de ressonância quase existencial: "Isso me traz alegria?". Só será guardado de volta se responder afirmativamente.
Cuidado. A arrumação deverá ser feita em silêncio. Música alta pode atrapalhar o seu diálogo silencioso com os objetos. Só assim podem sair de seu "estado de hibernação", ganhando vida novamente, para conversar com nossa alma.
A estratégia é astuciosa. Somos sentimentais com as coisas que guardamos; não queremos nos separar delas. Pois bem: Marie Kondo adota o procedimento de exagerar ainda mais a sentimentalidade do processo –para que possamos nos desapegar de tudo sem culpa.
Você tem coragem, pergunta a autora, de dizer que precisa de algo que está enterrado no fundo do armário há tanto tempo que nem se lembra de sua existência? "Se as coisas tivessem sentimentos, elas certamente não estariam felizes nessa situação. Então liberte-as da prisão à qual você as relegou e deixe-as partir com gratidão."
O presente que ganhamos, prossegue Marie Kondo, já cumpriu a sua função; não precisamos ter vergonha de jogá-lo fora.
Sintomaticamente, nesse livro, antes de tudo voltado à jovem mulher sozinha que trabalha fora de casa, livrar-se das coisas velhas também significa afastar-se da própria mãe. Pois não há ninguém mais prejudicial às arrumações, diz a autora; a mãe é uma "autoridade em reciclagem". E em apego também.
Entendemos, por fim, que tanto coisas quanto pessoas têm papéis momentâneos –e que nem o passado nem o futuro prende quem quer que seja. Parentes, namorados, funcionários, livros ou sapatos, não há muita diferença.
A profissional que arruma seu armário está pronta a se decidir por mais alguns cortes na empresa em que trabalha. Demite o que for preciso, com um senso de profunda gratidão.
Texto de Marcelo Coelho, na Folha de São Paulo.
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