Nas duas últimas semanas, puxada pela bancada do PMDB, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados tenta a todo custo aprovar o projeto de lei 215 de 2015. Para quem não está a par, trata-se do projeto para aumentar as punições para crimes contra a honra na internet, que se tornam inafiançáveis (e em alguns casos hediondos), com o objetivo de punir quem fala mal de políticos na rede.
Nessas tentativas, salta aos olhos um sentimento de medo generalizado da internet por parte dos defensores do texto. Poucas vezes se viu um projeto tramitar com tamanha velocidade e empenho. Parece até que se trata de uma questão essencial para o futuro do país. E que não há nenhum outro assunto mais importante no momento.
Desde sua origem, o projeto sofreu modificações. No entanto, continua a trazer o que há de pior para se cercear a liberdade de expressão.
Por exemplo, cria no Brasil o chamado "direito ao esquecimento". Não satisfeitos em punir quem possa falar mal deles, os autores querem também o direito de apagar sites e arquivos existentes na internet sempre que o conteúdo for "difamatório". Essa prática é perigosa. A respeito dela o advogado argentino Eduardo Bertoni diz: "O direito ao esquecimento é um insulto à história da América Latina". Referências a contas de políticos na Suíça poderiam ser apagadas por serem consideradas "difamatórias". O esquecimento é amigo do subterfúgio.
Além disso, o projeto derruba salvaguardas importantes. Para que crimes contra a honra sejam processados, é preciso hoje haver "queixa" prévia do ofendido. O projeto acaba com isso. Torna obrigatório que o Ministério Público processe "ofensas" realizadas pela rede sem a necessidade de queixa. Permite assim que políticos usem sua influência para transformar procuradores em advogados particulares, pagos com dinheiro público.
Felizmente, a reação ao PL 215 tem sido forte. Uma petição on-line contra o projeto conseguiu mais de 130 mil assinaturas em 24 horas. Além disso, o Comitê Gestor da Internet no Brasil, órgão que reúne representantes das comunidades científica e acadêmica, governo e setor privado, manifestou-se oficialmente contra, declarando que o "projeto e seus apensos subvertem os princípios e conceitos fundamentais da internet e estabelecem práticas que podem ameaçar a liberdade de expressão, a privacidade e os direitos humanos".
Nos países democráticos (e também no Brasil), as pessoas públicas, especialmente aquelas que exercem cargo público, têm seus direitos de proteção à honra reduzidos. É vital que seja assim, justamente para permitir o escrutínio permanente. Afinal, a história dessas pessoas confunde-se com a história do país.
Se o intuito é proteger o cidadão comum, que se excluam então os políticos da proteção irresponsável criada pelo projeto. Tal proposta seria suficiente para enterrar o PL 215, por total falta de apoio.
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Texto de Ronaldo Lemos, na Folha de São Paulo.
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