Washington virou 'Absurdistão'
A insanidade dos radicais do Partido Republicano ameaça mais a economia do que o próprio Obama
Dois achados demonstram o grau de insanidade contido na ameaça dos setores radicais do Partido Republicano de provocar a paralisação das atividades não essenciais do governo norte-americano a partir do primeiro minuto de hoje.
(Salvo um acordo de última hora, eventualmente alcançado depois do horário de conclusão desta coluna, a paralisação já é efetiva).
Primeiro achado: a constatação de Edward Luce, no "Financial Times", de que se chegou a um momento "bizarro, em que faz mais sentido para Obama falar com o líder do Irã do que com o Congresso".
"Absurdistan, DC", grita, no segundo achado, artigo de Gordon Adams, professor de relações internacionais na Escola de Serviço Internacional da Universidade Americana, para explicar como "os republicanos estão ameaçando transformar Washington em um Estado falido" (por Washington, leia-se, evidentemente, os Estados Unidos da América, a única superpotência remanescente, mas que vive, certamente, um de seus piores momentos na história).
Seria mais cômodo distribuir culpas entre Obama e os republicanos, como se fosse possível neutralidade. Não é: o que os republicanos querem é matar o chamado "Obamacare", programa de assistência médica que foi um dos poucos grandes logros do presidente até agora.
Ora, o "Obamacare" é mais "Congresscare" do que propriedade do presidente, porque boa parte de seus dispositivos foi estabelecida pelo Congresso, claro que a partir da proposta original da Casa Branca. Trata-se, portanto, de um pacote que, primeiro, foi proposto em campanha por Obama e aceito pelo eleitorado que nele votou majoritariamente (e votou duas vezes).
Segundo, foi aprovado pelo Congresso, quando a maioria ainda era democrata na Câmara dos Representantes, e os lunáticos do "Tea Party" não haviam se tornado tão furiosos.
Derrubar o "Obamacare" como condição para evitar a paralisia do governo é golpe. Simples assim.
Mesmo a proposta que a maioria dos republicanos levantou (adiar a implantação do programa por um ano) já seria danosa: deixaria 11 milhões de pessoas sem cobertura de saúde em 2014 e ainda elevaria o valor a ser pago pelos que comprassem cobertura no mercado privado de seguro-saúde, nas contas de editorial do "New York Times".
Por enquanto, as especulações sobre as consequências para a economia do "shutdown" do governo são catastrofistas demais: o Escritório de Gerenciamento e Orçamento da Casa Branca calculou em US$ 2 bilhões o custo de duas situações semelhantes ocorridas em 1996. Não é a catástrofe.
Mas o dano provocado pela constatação de que Washington se transformou em um "Absurdistão" é tremendo. Pode ficar pior:
"Se o shutdown' se prolongar por mais que um par de semanas, chegando perto do limite de 17 de outubro para elevar o teto da dívida, poderia ser muito mais danoso, possivelmente levando uma economia que já cresce pouco de volta à recessão", escreve o analista econômico Robert Khan para o Council on Foreign Relations.
Reprodução de texto de Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo.
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