quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Deportação de estudante durante excursão envergonha a França

A detenção e deportação de Leonarda Dibrani, uma estudante originária de Kosovo, de 15 anos e etnia romani (cigana), que estava há quatro anos escolarizada na França e foi presa pela polícia de fronteiras (PAF) em 9 de outubro no estacionamento de uma escola pública, enquanto realizava uma excursão com seus companheiros de terceiro ano do curso secundário, encheu na terça-feira as redes sociais francesas de mensagens de solidariedade e indignação.
Depois de 24 horas de silêncio oficial e de apagão da mídia, a delegação do governo na província de Doubs (leste do país) emitiu um prolixo comunicado administrativo para justificar a legitimidade burocrática da deportação de uma família numerosa - o pai, a mãe, Jamila, e seis filhos entre 1 e 17 anos - que fugiu de seu minúsculo país escapando da perseguição racial e tentou buscar refúgio primeiro na Itália e mais tarde na França.
O caso, que revela a ferocidade do tratamento dispensado pelo governo francês à minoria cigana, apesar das reiteradas promessas de humanidade feitas pelo presidente socialista, François Hollande, veio à luz na segunda-feira pelo blog que a associação Rede de Educação Sem Fronteiras (Resf) mantém no site da web Mediapart.
Na postagem, os educadores das escolas André Malraux e Toussaint Louverture, onde estudavam com notáveis resultados acadêmicos Leonarda Dibrani, de 15 anos, e sua irmã Maria, de 17, se declaravam "surpresos pelos métodos utilizados para devolver crianças da minoria cigana a países que não conhecem e cuja língua não falam" e "estupefatos por ver como os esforços de integração realizados por essas crianças na escola são reduzidos a zero por políticas cegas e desumanas".
A professora de geografia e história do colégio André Malraux de Pontarlier, que conduzia a excursão escolar à fábrica da Peugeot em Sochaux, explicou que a detenção de Leonarda ocorreu pouco depois que um agente da PAF a convocou pelo celular a deter o ônibus escolar. Segundo a professora, foi Albert Jeannin, o prefeito da localidade de Levier, onde vivia a família, quem ligou para o telefone de Leonarda: "Depois um policial me disse que tinha que deter um dos alunos que estava em situação irregular. Eu lhe disse que não podia me pedir uma coisa tão desumana, mas ele respondeu que não havia escolha e que parasse o ônibus imediatamente".
O comunicado do delegado do governo, entretanto, afirma que "no dia previsto para a expulsão para Pristina da mãe e seus seis filhos" foi a mãe, que "desejava que todos os seus filhos a acompanhassem [para Kosovo]", quem avisou sua filha pelo telefone celular. "Respondendo a seu desejo, a jovem desceu do ônibus para alcançar os funcionários da polícia que chegavam para encarregar-se dela, para permitir que se unisse a sua família. A operação se desenvolveu com absoluta calma. O embarque da família com destino a Kosovo se fez na continuação, sem nenhuma dificuldade."
Algumas horas depois que a polícia ordenou deter o ônibus, que estacionou no pátio do colégio Lucie Aubrac, a mãe, Jamila Dibrani, e seus seis filhos foram deportados para Kosovo em um voo Lyon-Pristina.
O delegado regional da ONG Rede de Educação Sem Fronteiras, Jean-Jacques Boy, não discute a legitimidade da expulsão forçosa, "e sim a forma brutal como foi executada". Segundo Boy, "o cinismo das autoridades dá vontade de chorar. Tentam reescrever depois a degradante detenção de uma aluna da escola pública durante uma excursão, diante de todos os seus colegas".
Mas a versão do prefeito afirma que foram as associações que auxiliam os ciganos em Doubs que "pediram expressamente que a família fosse agrupada em Kosovo depois da deportação do pai", que tinha sido enviado a Pristina na véspera. O porta-voz da Resf replica: "Isso é uma loucura. Kosovo é um país conhecido por perseguir os ciganos, que ali são verdadeiros párias, e os membros mais jovens da família nem sequer estiveram lá e não falam o idioma. A mãe não sabia o que fazer, mas preferia ficar na França para que seus filhos terminassem o colégio. O problema é que ninguém pensou em parar um momento para defender seus direitos e os de seus filhos".
O relato da prefeitura resume em uma página e meia o calvário administrativo e judicial vivido pelos Dibrani para tentar se instalar na França. A família "entrou irregularmente" no país em 26 de janeiro de 2009, data que coincide com os ataques institucionais e os incêndios em acampamentos romanis na Itália governada por Silvio Berlusconi. Os Dibrani solicitaram três vezes a concessão de asilo político, mas as autoridades os recusaram em 29 de agosto de 2009 e mais duas vezes ao longo de 2011. Em 29 de setembro desse ano, o delegado do governo emitiu uma ordem de abandono forçoso do território francês, que foi confirmada pelos tribunais administrativos em 26 de janeiro passado e ratificada pelo Tribunal de Apelação de Nancy em fevereiro.
A família pediu então sua regularização, invocando a chamada Circular Valls, de 28 de novembro de 2012, que permite excepcionalmente que os não membros da Comunidade Europeia que cumpram diversas condições (entre outras, ter uma casa digna, falar francês e estar escolarizado) regularizem sua situação e continuem no país. Em março deste ano, os Dibrani foram entrevistados duas vezes, mas o Estado decidiu que não preenchiam os requisitos, por "suas perspectivas insuficientes de integração social e econômica". Em 19 de junho receberam uma nova ordem de expulsão.
Tudo se precipitou em 4 de setembro. "O chefe da família foi controlado pelos serviços de polícia do Alto-Reno", explica a nota oficial. O pai dos Dibrani ficou retido no centro de Geispolsheim até que o prefeito de Colmar definiu sua repatriação para 8 de outubro. Colmar é uma cidade na fronteira com a Alemanha, onde Nicolas Sarkozy, o presidente que declarou guerra aos ciganos, comemorou em 8 de maio de 2010 o dia da vitória aliada na Segunda Guerra Mundial. Dois anos depois, Hollande ganhava as presidenciais com o lema "a mudança é agora".

Outro lado

Este jornal tentou sem êxito ouvir as explicações de todos os envolvidos nesta história de simples discriminação no coração da Europa. No colégio André Malraux de Pontarlier imperava a lei do silêncio. Segundo informou a pessoa que atendia ao telefone, "os professores são funcionários públicos, não podem comentar uma decisão da Justiça e não vão mais dar declarações".
Não houve muito mais sorte na pequena prefeitura de Levier, povoado de 2.000 habitantes situado a 50 quilômetros da fronteira suíça, onde residia a família kosovar desde 2009 em um abrigo para estrangeiros que esperam a concessão de asilo político. Um adjunto do prefeito Albert Jeannin afirmou que não estava autorizado a falar e se remeteu a seu chefe, informando que a equipe de governo não tem "qualquer filiação política porque o povoado é muito pequeno".
Na casa do prefeito, atendeu ao telefone uma senhora que se identificou como sua mulher e afirmou, muito aborrecida, que se estão dizendo "muitos disparates" sobre o caso. Depois de uma tentativa de aprofundar o assunto, a mulher resumiu assim a conversa: "Não eram kosovares, eram ciganos".

Reportagem de Miguel Mora, para o El País, reproduzido no UOL. Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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