terça-feira, 22 de outubro de 2013

Ex-galã das matinês luta contra as ondas e enfrenta a idade

Ex-galã das matinês luta contra as ondas e enfrenta a idade
Por MAUREEN DOWD

SUNDANCE, Utah - Depois de interpretar a Morte na série de TV "Além da Imaginação", no início de sua carreira, Robert Redford parece ter ficado imune ao medo do fim. "Tudo faz parte do negócio", declarou, impassível.
Ele não pensou na morte enquanto fazia seu novo filme, a melancólica história de marinheiro de J.C. Chandor "All Is Lost" [Tudo está perdido]. Ele pensou em resistir. "Interesso-me por aquilo que acontece quando há um ponto de ruptura para algumas pessoas e não para outras", disse. "Você passa por tantas dificuldades, coisas que são quase impossíveis e não dão sinal de que vão melhorar. Esse é o ponto em que muitas pessoas desistem. Mas outras não."
O taciturno "All Is Lost", que estreou nos EUA em 18 de outubro e será lançado globalmente em fevereiro, é uma história de terror existencial sobre a sobrevivência no pior momento de sua vida -neste caso, um barco semidestruído no mar-, enquanto o pânico aumenta.
Redford fez carreira interpretando o que ele chama de "sujeitos intrinsecamente americanos", enfrentando forças implacáveis: ele combateu os bancos e os Pinkertons em "Butch Cassidy", índios e ursos em "Mais Forte que a Vingança", um sistema político superficial em "O Candidato", a máfia irlandesa em "Golpe de Mestre", a CIA em "Três Dias do Condor" e "Jogo de Espiões", Richard Nixon em "Todos os Homens do Presidente", as grandes empresas em "O Cavaleiro Elétrico" e seu mais formidável adversário, Barbra Streisand, em "Nosso Amor de Ontem".
Hollywood não é uma terra para velhos. Mas, aos 77 e tema de consideráveis discussões relativas ao Oscar, Redford está ascendendo como astro solo de um filme que evoca o espírito elegíaco de "Navegando para Bizâncio", de Yeats, um de seus poetas favoritos. Yeats escreveu sobre navegar "mares repletos de atuns", chegar a um acordo com a agonia de envelhecer e contemplar como a alma pode se elevar acima de um coração "amarrado a um animal agonizante".
Redford gosta de escrever observações poéticas. Ele recitou uma que havia escrito: "Você olha para cima e percebe, que lindo dia, as folhas estão girando, e começa a se sentir confiante. Você se sente cheio de si, até perceber que está babando".
Redford cresceu em Los Angeles, um menino selvagem que fugia de um pai distante e difícil de agradar, apanhado em bebedeiras e corridas de carros.
Depois da morte de sua mãe, quando ele tinha 18 anos, Redford foi estudar na Itália e na França. As garotas que conheceu em Paris em 1957 não o acharam atraente. Ele foi alvo de zombaria por não saber nada de política. "Paris me deu um soco na boca", disse.
Foi difícil, depois de décadas como um dos principais galãs do cinema, ter tido seu rosto filmado tão de perto? "Bem, vamos deixar isto claro", respondeu Redford. "Eu não me considero lindo. Fui um menino sardento, e costumavam me chamar de 'cabeça de palha'." Acrescentou: "Nunca tive problemas com meu rosto na tela. Eu pensava que era o que era e me decepcionei com atores e atrizes que tentavam se manter jovens".
"All Is Lost" foi filmado no mar ao redor de Los Angeles e em três enormes tanques de água que James Cameron construiu para "Titanic" no México. O plano pedia um dublê de cena, "mas nós chegamos lá e, é claro, meu ego entrou em ação", disse Redford. "Comecei a dizer: 'Acho que posso tentar isso. Deixe-me ver o que consigo fazer'."
Redford admitiu que levou "uma surra". Havia máquinas de ondas, vento e chuva, e uma mangueira gigante jogando água em sua cabeça, o que causou uma infecção que o fez perder 60% da audição no lado esquerdo.
Redford sempre foi um minimalista, mas em "All Is Lost" leva isso a novas alturas, falando apenas um punhado de palavras, a mais alta impublicável aqui.
Redford falou sobre como as constantes menções a seu visual no início da carreira o faziam se sentir em uma jaula. "Por isso, creio que ele achou isto muito libertador", disse Chandor. "O rosto nesta altura é uma história por si só. Aquele rosto é uma coisa bela, mas de outra maneira."
Chandor pôde verificar para os céticos a alegação de Redford de que seus cabelos continuam naturalmente ruivo-alourados. Seus cachos sobreviveram aos meses de sol e cloro, sem qualquer tintura. "Ninguém acredita", disse Redford. "Até meus filhos não acreditam em mim. Sempre penso em Reagan. Isso me enlouquece."
Ele diz que, com a idade, ficou mais à vontade consigo mesmo e vive de acordo com sua frase favorita de T.S. Eliot: "Só existe o experimentar. O resto não nos diz respeito".


Relato do The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo

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