terça-feira, 1 de outubro de 2013

Vazamento de plano da Al Qaeda minou as operações de inteligência dos EUA

Enquanto as agências de espionagem do país avaliam as consequências da divulgação dos seus programas de vigilância, alguns analistas do governo e altos funcionários fizeram uma descoberta surpreendente: o impacto do vazamento de uma conspiração terrorista pela Al Qaeda em agosto causou mais dano imediato aos esforços de combate ao terrorismo dos EUA do que os milhares de documentos secretos divulgados por Edward J. Snowden, o ex-funcionário terceirizado da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês).

Os jornais revelaram, no início de agosto, que os Estados Unidos interceptaram mensagens entre Ayman al Zawahri, que sucedeu Osama Bin Laden como chefe da Al Qaeda, e Nasser Al-Wuhayshi, líder da Al Qaeda na Península Arábica, com base no Iêmen, discutindo um iminente ataque terrorista. Desde então, os analistas detectaram uma queda acentuada no uso de um importante canal de comunicação dos terroristas, que as autoridades estavam monitorando. Assim, a partir de agosto, as autoridades americanas passaram a procurar novas maneiras de detectar as mensagens eletrônicas e conversas de líderes e agentes da Al Qaeda.

"As chaves não foram desligadas, mas houve uma diminuição real na qualidade" das comunicações, disse uma autoridade norte-americana, que como os outros citados, falou sob condição de anonimato por discutir programas de inteligência.

A forte queda no tráfego de mensagens após as interceptações de comunicação contrastou com o impacto muito mais discreto sobre os esforços de combate ao terrorismo após as divulgações por Snowden das grandes capacidades de programas de vigilância da NSA. Em vez de os terroristas evitarem as comunicações electrônicas depois dessas revelações, os analistas detectaram conversas entre os terroristas principalmente sobre as informações divulgadas por Snowden.

As autoridades dos EUA dizem que as divulgações de Snowden tiveram um impacto na segurança nacional em geral, inclusive nos esforços de combate ao terrorismo. Isso inclui temores que a Rússia e a China agora têm mais detalhes técnicos sobre os programas de vigilância da NSA. Laços diplomáticos também foram danificados, e entre os resultados está a decisão da presidente do Brasil, Dilma Rousseff, de adiar uma visita oficial aos Estados Unidos em protesto contra as revelações que a agência espionou a presidente, seus principais assessores e a maior empresa do Brasil, a gigante do petróleo Petrobras.

As interceptações de comunicação entre Al Zawahri e Wuhayshi revelaram o que funcionários de inteligência dos EUA e congressistas têm descrito como um dos planos mais graves contra os interesses ocidentais, americanos e outros, desde os ataques de 11 de setembro de 2001. Elas levaram ao fechamento de 19 embaixadas e consulados dos EUA por uma semana, até as autoridades concluírem finalmente que a trama se focava na embaixada no Iêmen.

O "McClatchy Newspapers" informou pela primeira vez sobre as conversas entre Al Zawahri e Wuhayshi no dia 4 de agosto. Dois dias antes, o "The New York Times" havia concordado em não revelar as identidades dos líderes da Al Qaeda interceptados, após altos funcionários da inteligência dos EUA alegarem que a informação poderia prejudicar suas operações. Depois de tomar conhecimento do artigo do "McClatchy", o governo retirou suas objeções à publicação pelo "The Times", e o jornal correu a notícia no dia 5 de agosto.

Funcionários do combate ao terrorismo dos EUA dizem acreditar que a divulgação sobre o plano da Al Qaeda teve um impacto significativo porque foi um evento específico que sinalizou para os terroristas que uma importante rede de comunicação usada pelos líderes do grupo estava sendo monitorada. A queda mais acentuada em mensagens foi entre os agentes da Al Qaeda no Iêmen, segundo as autoridades. As divulgações de Snowden não tiveram essa especificidade de redes de comunicações terroristas que o governo está monitorando, disseram.

"Foi algo imediato, direto, que envolvia pessoas específicas e comunicações específicas sobre eventos específicos", disse uma alta autoridade norte-americana sobre as trocas entre os líderes da Al Qaeda. "O material de Snowden tem camadas e camadas, e vai demorar muito tempo para ser compreendido. Não houve uma queda repentina após sua divulgação. Muitos desses sujeitos acham que não são afetados por essas informações, que são difíceis para eles entenderem."

Outros membros da inteligência e do combate ao terrorismo ofereceram uma opinião divergente, dizendo que é difícil, se não impossível, separar o impacto da revelação das mensagens entre os líderes da Al Qaeda e o das divulgações gerais de Snowden, e que mais provavelmente o declínio se deve a uma combinação dos dois.

"Os bandidos simplesmente não vão falar de planejamento operacional eletronicamente", disse uma alta autoridade no combate ao terrorismo.

Além disso, pode levar meses ou anos para avaliar plenamente o impacto das revelações de Snowden sobre os esforços de contraterrorismo.

Ao longo da última década, a NSA investiu bilhões de dólares em uma campanha clandestina para preservar a sua capacidade de escuta. A agência conseguiu vencer grande parte da criptografia que protege o comércio global e os sistemas bancários, que protege dados sensíveis, como segredos comerciais e registros médicos, e protege automaticamente os e-mails, pesquisas na web, chats na Internet e chamadas telefônicas de americanos e outros ao redor do mundo, de acordo com os documentos fornecidos por Snowden.

O maior medo do governo em suas operações de combate ao terrorismo é que, ao longo dos próximos meses, o nível de comunicações interceptadas continue a cair, na medida em que os terroristas encontrarem novas formas de se comunicar, disse uma autoridade norte-americana. Provavelmente, vai levar algum tempo para o governo invadir esse método e monitorar as comunicações.

Uma alta autoridade de inteligência colocou da seguinte forma: "Eles são ágeis, nós somos ágeis. Quando vemos uma mudança de comportamento, nossos rapazes vão junto, já estamos vendo e nos adaptando. Nossas capacidades hoje mudam em horas ou dias, não em semanas e meses, como costumava ser".

Certamente os líderes da Al Qaeda e seus principais tenentes usam outros canais de comunicação eletrônica seguros, bem como os métodos antiquados - mensageiros, por exemplo, como Bin Laden fazia - que representam grandes desafios para os serviços de inteligência americanos.

Nos últimos meses, o braço de propaganda da Al Qaeda e outros grupos terroristas islâmicos chamado Frente Global de Mídia Islâmica lançou um novo software que permite aos usuários criptografarem comunicações de mensagens instantâneas e celulares. As autoridades dizem que estes programas podem representar novos desafios para os decifradores de códigos da NSA.

Os jihadistas vêm trabalhado para camuflar suas comunicações através de um software de criptografia há anos.

O uso pela Al Qaeda de tecnologia de criptografia avançada remonta a 2007, quando a Frente Global de Mídia Islâmica lançou o software Asrar al Mujahedin, apelidado de Segredo Mujahedeen. Uma versão atualizada, Segredo Mujahedeen 2, foi lançada em janeiro de 2008, e foi revista pelo menos duas vezes, mais recentemente, em maio de 2012, segundo os analistas.

O programa popularizou-se na primeira edição da "Inspire", a revista on-line trimestral da Al-Qaeda na Península Arábica, em uma publicação de julho de 2010 chamada "Como usar o Asrar al Mujahedin: Enviar e receber mensagens criptografadas".

Desde então, cada edição da "Inspire" vem trazendo uma seção sobre criptografia de comunicações, recomendando o Segredo Mujahedeen 2 como principal ferramenta de criptografia.


Reportagem de Eric Schmitt e Michael S. Schmidt para o The New York Times, reproduzido no UOL. Tradutor: Deborah Weinberg

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