Na ida para Camaquã, onde fui patrono da Feira do Livro, o historiador Luiz Cláudio Knierim, diretor da Fundação Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, que se tornou muito conhecido depois de ter chamado o acampamento farroupilha de Porto Alegre de “favelão gaudério”, lembrou-me que estamos rememorando os 120 anos da “Revolução Federalista de 1893”, a revolução da degola. Temos também os 90 anos da “Revolução de 1923”, o conflito que acabou com o reinado de Borges de Medeiros baseado em eleições fraudadas em que mortos votavam e vivos iam no cabresto.
Por que não comemoramos tudo isso?
Existe um livro maravilhoso sobre nossos heroicos tempos da degola: “Voluntários do martírio, narrativa da revolução de 1893”, do médico e protagonista dos acontecimentos Ângelo Dourado. É um catálogo dos horrores. Para os menos afeitos a livros volumosos, recomendo gratuitamente “Maragatos e pica-paus – guerra civil e degola no Rio Grande”, do saudoso Carlos Reverbel. Fica-se sabendo como nossos degoladores eram eficientes e dedicados. Reverbel resume tudo cirurgicamente: “A revolução de 93 teve a duração de 31 meses e fez nada menos de 10 mil vítimas. Destas, mais de mil morreram por degolamento, calculando-se meio por baixo, sem querer forçar os algarismos. Chega-se a esta conclusão levando-se em conta a estatística das duas grandes sessões de degolas da revolução – Rio Negro e Boi Preto – perfazendo ambas total aproximado a 700 gargantas seccionadas”.
Um método limpo, ecológico e econômico.
Os federalistas de Gaspar Silveira Martins queriam o fim da ditadura de Júlio de Castilhos, o famoso “gaguinho da Federação”. Em Rio Negro, perto de Bagé, os maragatos passaram a faca nos castilhistas. O negro Adão Latorre teria degolado 300 inimigos sozinho. Se o fez, era um fenômeno de produtividade. O troco veio em Boi Preto, em 5 de abril de 1894, no município de Palmeira: de 400 federalistas que caíram prisioneiros, 300 foram degolados. Tudo se interliga. Adão Latorre, morto na Revolução de 1923, teve seu cadáver degolado. A cabeça do maragato Gumercindo Saraiva, combatente de 1893, foi cortada, depois da profanação do seu túmulo, e entregue, numa caixa de chapéu a Júlio de Castilhos no palácio.
Sandra Pesavento, noutro livrinho introdutório, “A revolução federalista”, sintetizou: “O certo é que de ambos os lados generalizou-se a prática da ‘degola’, forma de execução rápida e barata, uma vez que não requeria emprego de arma de fogo”. Daí se originou a nossa bela expressão “não se gasta pólvora com chimango” (partidários de Castilhos). A Revolução Farroupilha não tem graça, em número de mortos e de situações singulares, quando comparada com à de 1893. Disso resulta a minha incompreensão: por que não fazemos feriado para comemorar esse momento maior das nossas façanhas? Por que não fazemos mais filmes, minisséries e poemas sobre isso?
Na sua palestra, Knierim mostrou com imagens como a “dança do facão”, parte do sagrado folclore gauchesco, foi adaptada por Paixão Cortes com base nas informações da “Negra Paim” sobre o “maculelê” dos escravos.
Bacana!
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