Heroína? Não no Paquistão
Medo do Taleban alimenta hostilidade contra adolescente
Por SALMAN MASOOD e DECLAN WALSH
Vale do Swat, Paquistão
Um funcionário distrital fez uma pergunta simples às alunas da décima série de uma escola só para meninas no pitoresco vale do Swat: quantas já tinham ouvido falar em Malala Yousafzai?
As alunas olharam para o funcionário, Farrukh Atiq, em silêncio. Ninguém levantou a mão.
"Todo mundo sabe de Malala, mas ninguém quer vincular seu nome ao dela", comentou Atiq mais tarde, em meio a especulações crescentes de que Malala, que levou um tiro na cabeça do Taleban um ano atrás, pudesse receber o Nobel da Paz. Em vez disso, o prêmio, anunciado no dia 11 de outubro, foi para a
Organização para a Proibição das Armas Químicas.
Mas, após uma semana de cobertura noticiosa intensa, durante a qual ela lançou sua autobiografia e recebeu um prestigioso prêmio europeu de direitos humanos, a posição de Malala como símbolo de paz e coragem foi firmada em todo o mundo -ou, melhor, em todo o mundo menos em seu país.
Não é apenas porque as estudantes têm medo de virar alvos. "Sou contra Malala", disse o comerciante Muhammad Ayaz, 22, dono de uma lojinha vizinha da escola onde Malala estudava em Mingora, a principal cidade do vale do Swat. "A mídia a projetou como heroína do Ocidente. Mas o que ela fez por Swat?"
Esse sentimento de animosidade contida contra Malala, 16, no vale do Swat -que ela deixou às pressas num helicóptero militar, no ano passado, para receber tratamento médico, depois de ser baleada- parece ser movido em parte pelas tensões de uma comunidade rural ainda traumatizada pelo conflito.
O Exército paquistanês expulsou o Taleban do Swat em uma grande operação militar em 2009, mas ainda restam bolsões de militantes. O medo que muitos moradores sentem de um possível retorno dos islâmicos ao poder alimenta a hostilidade em relação à vítima mais famosa dos extremistas.
No noroeste do Paquistão, militantes do Taleban travam uma campanha violenta contra o ensino para meninas. Desde 2009, já atacaram mais de 800 escolas na região.
Malala era crítica declarada do Taleban. "Qual é a contribuição dela?", indagou Khursheed Dada, funcionário do partido Pakistan Tehreek-e-Insaf, que governa a província de Khyber-Pakhtunkhwa, onde se localiza o vale do Swat.
Essa visão cínica se repete em todo o país, onde cidadãos afeitos a teorias conspiratórias tacharam Malala de ser agente da CIA e participante de uma conspiração ocidental contra o Paquistão.
Muhammad Asim, estudante da Universidade Punjab, em Lahore, não acredita no ataque do Taleban a Malala. "Como uma garota poderia sobreviver depois de levar um tiro na cabeça?", indagou. "Isso não faz sentido."
A reação parece ter origens diferentes: de resistência às críticas do Ocidente a sentimentos de ressentimento e inveja. Algumas pessoas no Swat acusaram o pai de Malala, Ziauddin Yousafzai, de usar sua filha para ganhar publicidade e difamar a cultura pashtun. Outros dizem que seu distrito foi mostrado sob uma ótica negativa, deixando em segundo plano trabalhos positivos feitos com a educação.
Dilshad Begum, diretora de ensino do distrito de Swat, disse que 14 mil meninas e 17 mil meninos começaram a ir à escola recentemente, após uma campanha intensiva de matrícula escolar liderada por professores locais. Para ela, a ameaça do Taleban foi exagerada. "Trabalho com educação feminina há 25 anos e nunca recebi uma ameaça."
Em outra escola, um grupo de alunas disse que Malala não merecia um Prêmio Nobel. "Malala não é a única pessoa a servir de exemplo para as meninas paquistanesas", disse Kainat Ali, 16, trajando burca preta.
Nem todos os paquistaneses concordam com as críticas. Muitos expressam orgulho pela bravura de sua adolescente mais famosa, que já tomou chá com a rainha Elizabeth 2a no palácio de Buckingham e foi ovacionada em pé nas Nações Unidas.
Quando se aproximou o momento do anúncio do Nobel, a televisão transmitiu canções elogiando o trabalho dela e mensagens com votos de boa sorte invadiram o Facebook e o Twitter. Após o anúncio do Nobel da Paz, algumas pessoas expressaram abertamente sua decepção.
No Swat, Shahid Iqbal, dono de uma loja de música e filmes, comentou que Malala foi motivo de orgulho para seu distrito. "Malala é nossa filha. Ela deveria ter ganhado o Nobel." Imran Khan, ex-jogador de críquete e líder do partido Pakistan Tehreek-e-Insaf, declarou que Malala Yousafzai representa "a luta de meninas e mulheres em toda parte contra a tirania e a opressão".
Uma das cenas mais comoventes aconteceu na cidade portuária de Karachi, onde Atiya Arshad, menina de 11 anos também baleada por militantes, esperou em sua casa pela notícia do Prêmio Nobel da Paz.
Atiya levou dois tiros no abdome em março, quando pessoas suspeitas de serem militantes do Taleban, armadas com granadas e armas de fogo, atacaram sua escola em Ittehad Town, bairro pobre de Karachi. O ataque fez parte de uma campanha de intimidação travada pelo Taleban neste ano para se reafirmar na maior cidade do Paquistão.
Atiya foi baleada no momento em que fazia fila para receber um prêmio acadêmico numa cerimônia de premiação. O diretor da escola, Rasheed Ahmed, e uma menina de 11 anos morreram.
Agora Atiya está numa cadeira de rodas, embora seus médicos acreditem que ela possa voltar a andar, com tratamento e fisioterapia. Ela contou como se sentiu inspirada pelo caso de Malala, um ano antes. "Fiquei tão feliz de ver Malala. Não sei por que essas pessoas não querem que a gente frequente a escola."
O pai de Atiya, que trabalha num moinho, observou que, diferentemente do que aconteceu com Malala, nenhum político ou membro de campanha correu para ajudá-los depois que sua filha foi baleada. "Estamos tendo grande dificuldade para dar tratamento médico a ela."
Malala disse a uma plateia em Nova York, em 10 de outubro, que sua meta é um dia tornar-se primeira-ministra do Paquistão.
Mas poucos acham que ela possa voltar ao país em segurança no futuro próximo. Segundo Atiq, o funcionário distrital, as ameaças reiteradas do Taleban de matar Malala se ela voltar a pôr os pés no Swat estão sendo levadas muito a sério.
"A fama traz perigo", disse. "O perigo está maior que nunca." Mas Malala insiste que o Paquistão sempre será seu lar, aconteça o que acontecer. "Mesmo que o povo paquistanês me odeie, ainda vou amar o país", diz.
Colaboraram Salman Masood, do vale do Swat, Declan Walsh, de Londres, Ziaur Rehman, de Karachi, e Waqar Gillani, de Lahore
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