quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Autoridades dizem que altos funcionários do governo sabiam de espionagem internacional


Na terça-feira, o chefe da área de espionagem dos Estados Unidos disse que a Casa Branca tinha conhecimento há muito tempo, embora em termos gerais, das atividades de monitoramento internacional realizadas pela Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês), e defendeu de maneira resoluta os métodos de coleta de informações da agência, o que sugere a existência de possíveis rachas dentro do governo Obama.

James R. Clapper Jr., a autoridade em questão, é diretor da área de inteligência nacional dos Estados Unidos. Clapper testemunhou perante a Comissão de Inteligência da Câmara dos Deputados e disse que a NSA mantinha altos funcionários do Conselho Nacional de Segurança informados sobre as operações de monitoramento que estava conduzindo em países estrangeiros. Clapper não disse especificamente se o presidente Barack Obama foi informado sobre esses esforços de espionagem, mas ele pareceu querer desafiar as afirmações feitas nos últimos dias, segundo as quais a Casa Branca teria ficado no escuro em relação a algumas das práticas da agência.

Clapper e o diretor da agência, o general Keith Alexander, rejeitaram vigorosamente as sugestões de que a agência era uma instituição espúria, que realizava vasculhava indiscriminadamente redes de telefonia e internet para obter informações sobre cidadãos comuns e sobre os líderes aliados mais próximos dos Estados Unidos sem o conhecimento de seus superiores em Washington.

O testemunho dos dois ocorreu em meio aos crescentes questionamentos sobre como a NSA recolhe informações no exterior, num momento em que republicanos e democratas pedem uma avaliação por parte do congresso, os parlamentares introduzem um projeto de lei para restringir as atividades da agência e Obama está prestes a impor suas próprias restrições, principalmente em relação ao monitoramento dos líderes dos países amigos. Ao mesmo tempo, funcionários atuais e antigos da área de inteligência dos EUA dizem que há um sentimento crescente de raiva em relação à Casa Branca devido ao que eles consideram uma tentativa de colocar a culpa pela controvérsia diretamente sobre seus ombros.

Segundo Alexander, as reportagens que informaram que a NSA teria acumulado dezenas de milhões de chamadas telefônicas de França, Espanha e Itália são "totalmente falsas". Esses dados, segundo ele, são coletados, pelo menos em parte, pelos próprios serviços de inteligência desses países e fornecidos à NSA.

Ainda assim, tanto ele quanto Clapper disseram que espionar líderes estrangeiros --mesmo os líderes de países aliados-- é um princípio básico do trabalho da área de inteligência e que isso vem ocorrendo há décadas. Segundo Clapper, os países europeus rotineiramente buscam ouvir as conversas dos líderes norte-americanos.

"Parte dessa situação me faz lembrar uma fala do filme clássico 'Casablanca': 'Meu Deus, eles estão jogando aqui'", disse Clapper, ao distorcer a frase dita no filme, que foi proferida por um oficial francês corrupto que finge indignação com a própria atividade da qual ele avidamente participa.

Questionado sobre se a Casa Branca tem conhecimento sobre a coleta de informações realizada pela NSA, que inclui dados sobre líderes estrangeiros, Clapper disse: "Eles podem [ter esse conhecimento], e eles têm". Mas, acrescentou ele: "Eu tenho que dizer que isso não se estende até o nível dos detalhes. Estamos falando de uma iniciativa grande aqui, com milhares e milhares de requisitos individuais".

A Casa Branca vem enfrentando críticas devido às práticas de monitoramento da NSA desde as primeiras revelações feitas por Edward J. Snowden, ex-prestador de serviços da agência, em junho passado. Mas, nas últimas semanas, o governo norte-americano vem enfrentando dificuldades para controlar uma nova tempestade diplomática relacionada a informações segundo as quais agência monitorou o celular da chanceler alemã Angela Merkel durante mais de uma década. Funcionários da Casa Branca disseram que o presidente Obama não sabia desse monitoramento, mas que ele disse a Merkel que os Estados Unidos não estão monitorando seu celular no momento e nem vão monitorá-lo no futuro.

Nesta quarta-feira, uma delegação de altos funcionários alemães deveria se reunir na Casa Branca com Clapper, Susan E. Rice, conselheira de segurança nacional do presidente, Lisa Monaco, conselheira sobre segurança interna e contraterrorismo de Obama e com outros funcionários.

Várias autoridades norte-americanas atuais e de administrações passadas disseram que os presidentes norte-americanos e seus principais assessores de segurança nacional sabem e sabiam há muito tempo sobre quais líderes estrangeiros os Estados Unidos espionam ou espionaram.

"Seria inusitado que os altos funcionários da Casa Branca não soubessem a fonte exata e o método dessa coleta (de dados)", disse Michael Allen, funcionário do Conselho de Segurança Nacional do governo George W. Bush e ex-diretor de pessoal da Comissão de Inteligência da Câmara dos Deputados. "Essas informações ajudam os responsáveis pelas instâncias decisórias a avaliar a confiabilidade dos serviços de inteligência".

Allen, autor do livro "Blinking Red" ("Vermelho Piscante", em tradução livre), sobre a reforma da área de inteligência, disse que essas informações muitas vezes chegam ao presidente durante sua preparação para telefonemas ou reuniões com líderes estrangeiros.

A Casa Branca se recusou a discutir suas políticas de inteligência enquanto aguarda a conclusão de uma revisão das práticas de coleta de informações que será concluída em dezembro. Mas um alto funcionário do governo observou que a grande maioria dos dados de inteligência que constavam dos briefings secretos e diários de Obama se concentrava em ameaças potenciais, abarcando desde conspirações da Al-Qaeda até o programa nuclear iraniano.

"Essas são questões de interesse primordial para os EUA", disse o funcionário, que falou sob condição de anonimato devido ao teor delicado do tema. "Agora Obama não está recebendo muitos informes da inteligência sobre a Alemanha".

Outro alto funcionário do governo disse que o presidente norte-americano geralmente não depende de relatórios da inteligência para se preparar para reuniões ou telefonemas com Merkel.

"Ele a conhece bem, ele fala com ela regularmente, e os nossos governos trabalham juntos todos os dias em uma ampla gama de questões", disse essa autoridade, que também falou sob condição de anonimato por causa de preocupações diplomáticas. "Como nós falamos com os alemães com muita frequência, nós sabemos o posicionamento deles e eles sabem o nosso posicionamento em relação à maioria das questões".

Clapper e Alexander tiveram uma recepção calorosa do presidente da Comissão de Inteligência da câmara, o deputado Mike Rogers, republicano do Michigan, que defendeu os métodos do NSA e disse que foi adequadamente informado sobre as atividades da agência.

Mas, em outros pontos de Capitol Hill, a indignação dos aliados dos Estados Unidos tem claramente alimentado preocupações.

A senadora Dianne Feinstein, democrata da Califórnia que atua como presidente da Comissão de Inteligência do senado e é uma das mais ferozes defensoras das operações de monitoramento dos EUA, disse na segunda-feira passada que ela "não acredita que os Estados Unidos deveriam estar coletando dados de chamadas telefônicas ou de e-mails dos presidentes e primeiros-ministros dos países aliados". Feinstein disse que sua comissão realizará uma "grande revisão" dos programas de inteligência.

Outro forte defensor da NSA, o presidente da Câmara John A. Boehner, republicano de Ohio, concorda que "é preciso haver uma revisão, que deve haver uma revisão e que ela deve ser profunda", disse ele. "Nós temos a obrigação de manter o povo norte-americano seguro. Nós temos obrigações para com os nossos aliados ao redor do mundo".

"Mas, tendo dito isso, nós temos que encontrar o equilíbrio correto aqui", acrescentou ele. "Atualmente, nós estamos em desequilíbrio".

Um assessor de Boehner disse que "o presidente da câmara ainda acredita que nossos programas de monitoramento salvam vidas, mas o presidente Obama tem que se esforçar mais para gerenciá-los e para explicá-los".

Na terça-feira passada, deputados democratas e republicanos apresentaram um projeto de lei para restringir algumas das práticas da NSA, incluindo a coleta de dados em massa de ligações telefônicas dentro dos Estados Unidos.

"O quadro que temos é o de um sistema de monitoramento que enlouqueceu", disse o deputado John Conyers, democrata do Michigan e um dos patrocinadores do projeto de lei. "A nossa comunidade de inteligência tem operado sem a supervisão adequada do congresso nem o respeito pela privacidade e pelas liberdades civis dos norte-americanos".

Até mesmo os membros da Comissão de Inteligência da câmara já brigaram sobre o que os órgãos de inteligência teriam lhes dito em relação à espionagem de líderes estrangeiros. O deputado Adam Schiff, democrata da Califórnia e membro sênior da comissão, disse que só ficou sabendo sobre as práticas de espionagem da NSA após as recentes reportagens divulgadas pela mídia.

"Você considera que a escuta de líderes de países aliados é uma atividade de inteligência significativa que exige a produção e a entrega de relatórios para as comissões de inteligência?", Schiff perguntou a Clapper.

Clapper disse que as agências "corresponderam totalmente a essa exigência".

Schiff discordou de Clapper e disse que as agências têm muito trabalho a fazer "para garantir que nós recebamos todas as informações de que precisamos". Ele disse que as informações divulgadas sobre essas escutas poderão criar uma "reação contrária" significativa.

Rogers contestou a afirmação de Schiff e disse que Schiff precisa de um tempo para se informar sobre quais dados a comissão havia recebido.

"Dizer que, de alguma maneira, nós estamos no escuro sobre essa questão é incompreensível para mim", disse Rogers. "É falso sugerir que esta comissão não tinha conhecimento total e completo das atividades da comunidade de inteligência conforme foi ordenado no âmbito das prioridades de inteligência nacionais para incluir fontes e métodos".

Reportagem de Mark Landler e Michael S. Schmidt, para o The New York Times, reproduzida no UOL. Tradutor: Cláudia Gonçalves

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