Surto jihadista, acertos de contas, cisões e recombinações: a insurreição síria vem atravessando há alguns dias uma fase de turbulência que já fez uma vítima, a Coalizão Nacional Síria (CNS).
Fragilizada pelo fato de os Estados Unidos terem mudado de ideia, ao desistirem de atacar o regime de Bashar al-Assad depois de ter ameaçado fazê-lo, a principal plataforma de oposição se encontra renegada por um número crescente de rebeldes.
O Exército Livre Sírio (ELS), que seria seu braço militar, está a ponto de se separar, ao passo que grupos armados que alegam pertencer à Al-Qaeda estão se destacando no local.
De passagem por Nova York, para a Assembleia Geral da ONU, o chefe da CNS, Ahmed Jarba, reafirmou sua rejeição aos "extremistas" e seu comprometimento a favor de uma Síria "democrática, livre e justa".
Ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que ele encontrou pela primeira vez, ele também confirmou que sua organização estava disposta a participar da conferência de paz batizada de Genebra 2, que supostamente seria realizada em meados de novembro.
Mas a desconexão cada vez mais flagrante entre a ala política e a ala militar da oposição minimiza o peso dessas declarações e reacende o debate sobre a capacidade da CNS de se impor no local, na hipótese de uma queda do regime sírio.
Tudo começou com uma declaração, divulgada na terça-feira (24) na internet, na qual treze brigadas, entre as mais poderosas da rebelião, anunciaram a formação de uma nova aliança, que não se reconhece na Coalizão e faz um apelo, pensando no pós-Assad, pela sharia (lei islâmica) como fonte única da legislação.
Entre esses renegados figuram islamitas rigorosos que nunca tiveram laços com o ELS, assim como jihadistas da Frente Al-Nusra e os salafistas de Ahrar al-Sham, mas também meia dúzia de grupos que teoricamente eram afiliados a ele e até então professavam um islamismo moderado, como a Brigada Al-Tawhid, muito presente em Aleppo, e a Brigada Al-Islam, na linha de frente dos combates no subúrbio de Damasco.
Os termos empregados no anúncio de sua ruptura com o ELS estariam marcando uma verdadeira radicalização política ou seriam somente uma fachada destinada a atrair a atenção dos salafistas do Golfo Árabe-Pérsico, principais financiadores do movimento jihadista na Síria? Por ora, é difícil emitir uma opinião.
O que se sabe é que essa deserção procede da incapacidade da CNS de obter de seus parceiros árabes e ocidentais armas em quantidade suficiente para enfrentar a máquina de guerra síria.
Ela também é prova da desconfiança dos combatentes do interior em relação a qualquer forma de negociação com representantes do regime, como prevê a conferência de Genebra 2, que não teria como pré-requisito a demissão de Bashar al-Assad.
A renegação é ainda mais preocupante para Jarba e o general Salim Idriss, o líder do ELS, pelo fato de o comunicado dos "treze" estar virando uma bola de neve. Na sexta-feira (27), uma dezena de outras unidades, conduzidas pelo coronel Ammar al-Wawi, romperam com a CNS, que eles acusam de ter cortado relações com as forças revolucionárias.
Nova coalizão militar
No domingo, cerca de quarenta brigadas proclamaram sua adesão a uma nova coalizão militar, batizada de Exército do Islã, que é destinada a coordenar melhor a resistência à contraofensiva das forças lealistas, na região de Damasco. O anúncio, lido durante uma cerimônia solene organizada no subúrbio de Damasco, não incluiu nenhuma referência à CNS ou ao ELS – nem menção à sharia.
Essa recombinação está ocorrendo no momento em que se multiplicam os conflitos entre rebeldes e jihadistas. Após a tomada da cidade de Azaz, perto da fronteira turca, por milicianos do Estado islâmico no Iraque e no Levante, que expulsaram de lá os combatentes do ELS, eclodiram confrontos em Deir ez-Zor e perto de Idlib, onde líderes dessa organização oriunda da Al-Qaeda no Iraque foram mortos.
Sinal dos tempos: no domingo, combatentes da Frente Al-Nusra e de Ahrar al-Sham se apossaram de um posto militar perto de Deraa, na fronteira com a Jordânia. Foi uma operação que poderia colocar em xeque a posição dominante dos grupos pró-ELS nessa região também.
Em um vídeo feito no local dos combates, um homem encapuzado clamava vitória, tendo em segundo plano um tanque tomado do inimigo, sobre o qual tremulava uma bandeira preta jihadista.
Reportagem de Benjamin Barthe, para o Le Monde, reproduzido no UOL.
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