segunda-feira, 28 de outubro de 2013

"A morte no espaço é alegre"

O filme "Gravidade" retrata dois astronautas que lutam para sobreviver enquanto flutuam no vazio do espaço. O astronauta alemão Ulrich Walter explica o que o filme acertou e errou – e o que realmente acontece quando o traje espacial é perfurado.
Spiegel: Sr. Walter, no filme "Gravidade", os astronautas são capturados numa chuva de lixo espacial ao realizarem uma caminhada no espaço. Isso é um perigo real?
Walter: Sim, é. Grandes pedaços de lixo espacial provenientes de estágios de foguetes usados ou antigos satélites já estão catalogados, para que se possa evitá-los. Mas é impossível registrar os muitos milhões de partículas menores, incluindo a poeira de meteoritos. E mesmo partículas que medem milímetros são capazes de perfurar um traje espacial, uma vez que viajam com 15 vezes a velocidade de uma bala.
Spiegel: Um acidente como este já aconteceu?
Walter: Não, mas acontecerá em algum momento. Quando um traje espacial é perfurado, isso provoca a perda de pressão. No caso de um vazamento pequeno, o ar sairá lentamente, e os trajes espaciais de hoje têm um suprimento de emergência que garante a pressão por 30 minutos, tempo suficiente para voltar a bordo.
Spiegel: O que acontece se uma estação espacial como a ISS for atingida por um pedaço maior de lixo espacial?
Walter: Assim como num navio, há anteparos que, no caso de uma emergência, podem separar a área que deixou de ser hermética da parte intacta da estação. A antiga estação espacial russa Mir de fato teve um vazamento uma vez, depois de colidir com uma nave cargueira não tripulada. Todos sobreviveram.
Spiegel: Em "Gravidade", Sandra Bullock interpreta uma astronauta que fica separada de sua nave e acaba flutuando no espaço, totalmente solta. Seria possível salvar um astronauta em tal situação?
Walter: Sim, em princípio. Hoje em dia, cada traje espacial é equipado com um pequeno jato. O alcance desse jato, no entanto, é de cerca de apenas um quilômetro, por isso não seria possível voar dezenas de milhares de quilômetros até a ISS, como os personagens fazem no filme. Na vida real, todos os envolvidos no desastre teriam morrido.
Spiegel: Isso não parece uma maneira muito agradável de partir, vagando no nada dentro de um traje espacial, esperando a morte.
Walter: Pelo contrário! Quando você vai ficando sem oxigênio lentamente, acontece o mesmo que quando você está no ar rarefeito no alto da montanha: tudo parece engraçado. E como você está rindo, você lentamente aceita. Eu experimentei esse fenômeno numa câmara de altitude durante a minha formação como um astronauta. Em algum momento, alguém do grupo começa a fazer piadas ruins. Nossos cérebros são gentis conosco. Uma pessoa que morre sozinha no espaço tem uma morte alegre.
Spiegel: Será que "Gravidade" retrata a sensação de falta de peso com precisão?
Walter: Sim, essa experiência única é transmitida maravilhosamente. Uma pessoa em movimento em gravidade zero sente um desamparo lamentável. Um movimento errado e você se vê girando sem controle. Todo mundo se torna um bebê novamente no espaço, esforçando-se para aprender a andar. E em todo caso, devo elogiar a equipe do filme – que reproduziu a nave e a ISS de forma hiper-realista. Eles acertaram, até o último parafuso.
Spiegel: Mesmo quando os astronautas em "Gravidade" chegam à ISS, o drama não acaba para eles. Há um incêndio a bordo da estação espacial.
Walter: Isso aconteceu na Mir também. Mas o fogo foi rapidamente extinto, porque é difícil manter uma chama acesa em gravidade zero. Ela precisa ser alimentada com oxigênio. Na Terra, isso acontece porque o ar quente sobe e o ar frio e fresco o segue. Sem gravidade, o efeito chaminé não funciona, então a chama logo sufoca a si mesma. Um incêndio que gera fumaça é mais perigoso – na Terra, também, a maioria das vítimas de incêndios domésticos morrem por causa da inalação da fumaça. Quando o fogo começou na Mir, os homens colocaram máscaras de gás.
Spiegel: Vinte anos atrás, você foi para o espaço num ônibus espacial norte-americano. Houve um momento em que temeu por sua vida?
Walter: Não, nenhum de nós estava com medo. Após anos de treinamento, você tem grande confiança na tecnologia. Quando você entrar em seu carro, você provavelmente se sentirá muito seguro, mesmo que milhares de pessoas morram em acidentes de carro a cada ano.
Spiegel: Você experimentou alguma situação difícil em seu caminho para o espaço?
Walter: Pode-se dizer que sim! Minha viagem começou com uma falha no lançamento. Três segundos antes da decolagem, o computador de bordo desligou os motores, que já estavam funcionando. Havia hidrogênio na plataforma de lançamento, o que criou um risco extremamente alto de explosão. O lançamento é sempre a parte mais perigosa - uma vez que estamos em órbita, não há muito risco.
Spiegel: Nada deu errado enquanto esteve no espaço, então?
Walter: Sim, mas foi algo inofensivo. O tanque de urina do banheiro quebrou. Então coletamos nossa urina em sacos plásticos em vez disso e a jogávamos para fora através de uma câmara de vácuo. Assim que ela entrava em contato com o vácuo do espaço, formava uma bela nuvem de neve de urina e desaparecia.
Spiegel: Criando mais lixo espacial.
Walter: Não se preocupe: Esses flocos de urina congelados são muito leves e macios – não são perigosos. 
Notícia da Der Spiegel, reproduzida no UOL. Tradutor: Eloise De Vylder

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