segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Queda na criminalidade torna caro sustentar larga rede de prisões nos EUA

As balas voavam pelas cidades. Guerras de crack prendiam as pessoas em suas casas. O ano era 1994, e o presidente Bill Clinton havia capturado o humor do país ao declarar que "as gangues e as drogas tomaram nossas ruas" quando assinou a lei de maior alcance contra o crime na história.

A nova lei expandiu a pena de morte, e ofereceu aos Estados bilhões de dólares para contratar mais policiais e construir mais prisões. Mas o que não ficou claro na época foi que o crime violento já tinha chegado a um pico no início dos anos 90, começando um declínio que cortou pela metade as taxas de assassinatos, roubos e assaltos do país.

Talvez em nenhum lugar a queda foi mais surpreendente do que na cidade de Nova York, que reportou apenas 328 homicídios em 2014, em comparação com 2.245 em 1990. A taxa de homicídios em algumas cidades flutuou mais - Washington atingiu 104 em 2014, depois de uma baixa de 88 em 2012. Mas isso ainda é uma redução drástica em relação ao pico de 474 em 1990.

Agora, democratas e republicanos estão repensando a vasta e custosa infraestrutura de controle do crime e encarceramento que nasceu no início da onda de crimes.

"O sistema judiciário foi um elemento crucial para manter os criminosos violentos fora das ruas", disse o senador Richard J. Durbin, democrata de Illinois, que foi coautor de um projeto de lei para reduzir algumas das sentenças federais relacionadas às drogas. "Mas agora estamos dando um passo atrás, e acho que já chegou a hora, para nos perguntarmos se o aumento dramático no encarceramento era necessário."

O senador Charles E. Grassley, republicano de Iowa, novo presidente do Comitê Judiciário do Senado, foi contra amplas reduções nas sentenças. Mas ainda assim ele concordou, em uma entrevista, que "há muitas ideias - reforma das prisões, policiamento, sentenciamento - sendo discutidas agora que não seriam discutidas se não tivéssemos tido essa queda nas estatísticas relacionadas ao crime."

Contudo, mesmo enquanto as agências de aplicação da lei e o establishment político anseiam por uma nova era, os motivos para a ampla queda no crime continuam inexplicáveis. Ela já confundiu tanto aqueles à direita, que previam que ondas de jovens predadores aterrorizariam as comunidades, quanto aqueles da esquerda que viam a criminalidade cair apesar dos altos e baixos na pobreza e desemprego.

Há algumas áreas de consenso. O fechamento dos mercados de drogas ao ar livre reduziram os tiroteios em muitas áreas urbanas. O crédito também se deve a uma revolução no policiamento urbano, no qual os policiais se concentram nos "hot spots" ["locais quentes"] do crime, locais tão pequenos quanto um quarteirão ou um bar, que são responsáveis por um caos descomunal.

O grande aumento nas condenações por drogas e armas nos anos 80 e 90 desempenhou um certo papel, embora modesto, dizem os especialistas, enquanto o aumento das taxas de encarceramento diminuíram os lucros e atingiram as minorias de forma desproporcional.

Vários especialistas também ligaram a queda da violência ao envelhecimento da população, inflação baixa e até mesmo ao declínio da exposição ao chumbo na primeira infância.

Mas no final, nenhum desses fatores explica totalmente a queda que ocorreu, ao mesmo tempo, em boa parte do mundo.

"O Canadá, sem praticamente nenhuma das mudanças nas políticas que citamos até agora, teve um declínio comparável na criminalidade no mesmo período", disse Franklin E. Zimbring, professor de direito e especialista em justiça criminal na Universidade da Califórnia, Berkeley. Ele descreveu a busca por uma explicação como "astrologia criminológica".

A queda nos crimes graves foi acompanhada por declínios em outros males sociais como gravidez na adolescência, abuso infantil e delinquência juvenil, enfatizando o papel das mudanças culturais além da influência do sistema de Justiça.

"Os jovens estão crescendo em um ambiente mais seguro e se comportando de forma mais responsável", disse Jeremy Travis, presidente do John Jay College of Criminal Justice em Nova York e coeditor de um relatório de 2014 da Academia Nacional de Ciências sobre as consequências do encarceramento em massa.

Junto com a incerteza sobre as origens da redução do crime, há debates controversos sobre o que deve vir em seguida. O quanto se pode reduzir o encarceramento sem arriscar a segurança? Onde está a linha adequada entre o policiamento preventivo agressivo e medidas intrusivas que afastam as pessoas que seguem a lei?

O aumento do encarceramento foi ainda mais drástico do que o declínio do crime, levando ao crescimento de um senso comum entre a direita e a esquerda de que ele foi longe demais. Desde o início dos anos 70 até 2009, principalmente por causa de mudanças nas condenações, a parcela de norte-americanos nas prisões federais ou estaduais quadruplicou, atingindo 1,5 milhão, com centenas de milhares mais nas cadeias locais, embora esse número tenha diminuído um pouco desde 2009.

Os custos sociais e econômicos são agora tema de intenso estudo. Alguns conservadores como William G. Otis, ex-promotor federal e professor adjunto de direito na Universidade Georgetown, argumenta que embora muitos fatores sejam responsáveis pela queda do crime, o endurecimento da justiça certamente teve um papel significativo.

"Quando as pessoas são encarceradas, elas não estão nas ruas para saquear sua casa ou vender trocas para seu filho no colegial", disse ele.

Mas muitos criminologistas dizem que o impacto foi limitado.

"As decisões de políticas para estender as sentenças longas e impor períodos mínimos obrigatórios tiveram um efeito mínimo sobre o crime", disse Travis, do John Jay College. "A pesquisa sobre isso é muito clara."

O alto índice de encarceramento pode explicar a queda de 10% até, no máximo, 25% do crime desde o início dos anos 90, diz Richard Rosenfeld, criminologista da Universidade de Missouri-St. Louis. Mas a relação custo-benefício não foi boa, disse ele, uma vez que aqueles que cometeram crimes menos graves também receberam sentenças longas.

Muitos Estados, tanto liderados por republicanos quanto democratas, tomaram medidas para reduzir sentenças para os crimes menores e não violentos e para melhorar os serviços para usuários de drogas e outros tratamentos, enquanto ainda reduzem as taxas de criminalidade.

No Congresso, figuras tão diferentes quanto Durbin e senadores republicanos como Mike Lee de Utah e Rand Paul do Kentucky apoiaram reduções nas sentenças federais.

Os métodos policiais ganharam a atenção depois que as mortes de Michael Brown em Ferguson, Missouri, e Eric Garner em Nova York levaram a protestos em massa, seguidos pelo assassinato de dois policiais em Nova York.

Combinada, na melhor das hipóteses, com uma cooperação próxima da população, a concentração dos recursos policiais nos hot spots do crime mostrou, em vários estudos, reduzir o crime sem simplesmente espantá-lo para outro lugar, disse Daniel S. Nagin, criminologista da Case Western Reserve University.

Logo após o assassinato de homens negros desarmados pela política em Missouri e Nova York, o presidente Barack Obama estabeleceu uma força-tarefa de policiais e especialistas que deve recomendar o aumento do policiamento comunitário, que sofreu uma queda desde os ataques terroristas de 11 de setembro, e outras mudanças com o objetivo de criar uma ponte entre as agências de aplicação da lei e as minorias, bem como melhorar a prevenção do crime.

Dada a forma precária qual a qual as tendências no crime foram previstas no passado, e o papel de forças sociais mais profundas, não há garantia de que as taxas de crime não subam novamente.

Mas há um amplo consenso sobre medidas fora do âmbito do sistema de Justiça penal, que poderiam incentivar uma queda futura ou impedir qualquer aumento, disse Nagin. Enriquecer a primeira infância das crianças em situação de alto risco, expandir os programas de tratamento de dependentes de drogas e oferecer mais serviços de saúde mental são exemplos importantes.

"Uma opção obviamente ruim", diz Nagin, "é usar as prisões para substituir os hospitais psiquiátricos".


Reportagem de Erik Eckholm, para o The New York Times, reproduzida no UOL. Tradutor: Eloise De Vylder

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