quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Produtividade sem mistério

O subsecretário da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Ricardo Paes e Barros, em entrevista ao "Estado de S. Paulo" de 28/12/2014, levantou uma dúvida quanto à continuidade da redução da desigualdade.
Sua preocupação é com "o mistério de um país com a produtividade estagnada há décadas". "Para reduzir a pobreza (...), o mais importante não é redução de desigualdade, mas o aumento da produtividade."
Como se sabe, uma inclusão social inédita foi a principal novidade dos governos do PT, o que se beneficiou da valorização das commodities de exportação brasileiras.
A apreciação cambial alavancou os ganhos reais advindos da distribuição de renda. O diabo é que também minou a solidariedade nas cadeias produtivas, esvaziadas na busca de reduções de custo.
Assim, não chega a ser um mistério a produtividade avançar pouco: o emprego se expandiu nos serviços, setor que por natureza tem mais dificuldade de elevá-la. Ainda assim, seu debate é proveitoso.
O indicador é controvertido. Fisicamente, a quantidade de produtos por trabalhador é uma medida objetiva, porém não leva em conta os ganhos de qualidade e os graus de integração vertical (numa firma, a terceirização da limpeza é tida como aumento de produtividade).
A medição monetária (valor adicionado por trabalhador) resolve o problema, mas cria outros. O principal é que o valor adicionado (valor da produção menos dos insumos) depende do preço de mercado. Uma maior escassez relativa de um bem faz o indicador crescer, embora tecnicamente nada tenha mudado com a produtividade.
Outro problema é que a produtividade pode crescer se o emprego cai mais que a produção, como ocorreu na abertura comercial brasileira nos anos 1990. Isso mostra que seu aumento não é um fim em si mesmo.
Essas dificuldades fazem as sugestões para elevar a produtividade pecarem pelo excesso de generalidade: melhorar o ambiente de negócios, corrigir deficiências de infraestrutura, aproximar as empresas das universidades etc.
Não é que tais esforços sejam inúteis. Contudo, não é a elevação da produtividade que garante a retomada do crescimento. O crescimento é que é a principal alavanca da produtividade, aumentando os ganhos de escalas e induzindo os investimentos que permitem incorporar e gerar progresso técnico. Nesse sentido, o liberal Adam Smith notou que o tamanho do mercado é o que limita a divisão do trabalho, tida por ele como o motor da produtividade.
Durante a bonança externa, além de distribuir renda, foi possível propiciar ao consumidores viagens baratas ao exterior e acesso a TVs, tabletes, brinquedos, roupas, entre outros bens importados em todo ou em parte de países na fronteira tecnológica ou de mão de obra barata. No entanto, os deficit em transações correntes apontam a necessidade de rever a estratégia.
A depreciação cambial pode ajudar a melhorar a qualidade dos empregos disponíveis aos mais pobres, que progressivamente deixariam de ser porteiros, balconistas, domésticas, frentistas, entre outras funções, para se empregar na indústria.
Um real desvalorizado favorece a produção local, embora exija um duro e algo demorado ajuste em que a inflação não se comportaria de acordo com as regras do atual regime de metas. Haveria ainda um certo retrocesso tecnológico no consumo.
Porém mesmo os empregos de uma indústria defasada têm produtividade (e, logo, salários) bem maior que os do hipertrofiado setor de serviços. Foi o que ocorreu na industrialização brasileira. Mas no século 20 a exclusão social limitou o processo.
A diferença agora seria o foco no consumo de massa (de bens privados e públicos), que ainda é reduzido comparado aos países ricos, e na elevação da participação dos salários no PIB.
A política industrial também pode contribuir para o aperfeiçoamento da realização local de novas atividades. E o país já tem setores de classe mundial a desenvolver, ligados à base de recursos naturais.
Expansão, ampliação de oportunidades de investimento e de inovação e ganhos sustentados de produtividade são resultados esperados.
O balanço entre as prioridades ao consumo e à qualidade do emprego não é inequívoco. O problema é que falta espaço no debate político brasileiro para as opções que favorecem o segundo polo. Idealiza-se o crescimento "equilibrado" ou simplesmente se prefere que as coisas continuem como sempre foram.


Texto de Marcelo Miterhof, na Folha de São Paulo.

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