Um dos passes de mágica preferidos do lulismo consistia em tentar fazer os mesmos atores políticos desempenharem o papel de governo e oposição. Talvez alguns aqui se lembrem do que aconteceu, por exemplo, na visita do ex-presidente George W. Bush ao Brasil. Enquanto Bush fazia um discurso no Palácio do Alvorada ao lado de Lula, afirmando estar feliz por encontrar seu mais importante aliado na América Latina, as ruas das capitais brasileiras eram ocupadas por manifestações contra a presença do presidente norte-americano no Brasil. Manifestações capitaneadas... pelo partido do presidente Lula.
Dessa forma, o lulismo tentava, ao mesmo tempo, fornecer a ação política e a forma de sua crítica, organizando o descontentamento a partir dos limites determinados pelos interesses governistas. O resultado era a paralisia da crítica no interior de um jogo que, invariavelmente, terminava com meras compensações simbólicas.
Agora, vemos o mesmo truque a caminho. Depois de fazer a população engolir um ministério que Dilma roubou da prancheta de projetos de seus adversários, vemos setores do seu partido subir à cena para conclamar a esquerda a "pressionar o governo".
Movimentos sociais combativos e setores da sociedade civil são chamados a "agir a partir das ruas" a fim de recriar a esquerda e influenciar o rumo de um governo capitaneado por Joaquim Levy, Kátia Abreu, Gilberto Kassab e outras pérolas do pensamento socialista brasileiro.
Será uma cena digna do Pai Ubu ver Kátia Abreu a escutar de forma compenetrada reivindicações do MST, ou Kassab fazer o mesmo com o MTST. Tais movimentos são os primeiros a não se deixarem enganar e saber o que tais pessoas representam.
Ou seja, para a pantomima final, não basta nos fazer engolir o argumento cínico do "cálculo desfavorável de correlação de forças", como se ele fosse expressão de realismo político maduro. Faz-se necessário também paralisar toda e qualquer construção real de uma alternativa à esquerda através da organização das vozes dos descontentes no interior do coro dirigido por setores do próprio consórcio governista.
Ao lado da degradação política, há sempre a tentativa de controlar toda insurreição possível cirando hegemonias sobre o menor movimento, fornecendo a eles os limites prévios de suas ações.
Será prova maior da miséria da política brasileira, em especial da esquerda nacional, mostrar a incapacidade de escapar das sístoles e diástoles do lulismo num momento em que seus resultados serão desastrosos.
Pois não se trata de mudar de polo, mas sair do pêndulo e procurar outro movimento.
Texto de Vladimir Safatle, na Folha de São Paulo.
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