sábado, 24 de janeiro de 2015

Justiça ou vingança

A justiça está para a vingança como a civilização está para a barbárie.
Só haveria justiça perfeita se ela fosse divina, pois o homem é, por definição, imperfeito. Um homem que mata em nome de um deus não está, por definição, fazendo justiça.
A morte é punição irreversível. Logo, contradiz a ideia de justiça, que, por ser produto humano, é imperfeita e sujeita a revisões. Quando um Estado condena alguém à morte, assume função divina, incompatível com a sua condição de produto humano.
Se uma sociedade perdoa torturadores e terroristas, é omissa. Quando os pune com torturas e terror, é apenas vingativa, não justa. E atrairá mais vingança.
Na Colômbia, há forte oposição a um projeto que acolhe paramilitares e guerrilheiros que largaram as armas. Perdão é tarefa divina. Dar segunda chance é papel de uma sociedade justa, não vingativa.
No Brasil, as polícias atiram antes de perguntar. E pelas costas. É a vingança prévia. Matam seis pessoas por dia. Mataram mais em cinco anos (2009 a 2013) do que os EUA em 30. Temos a quarta população carcerária do mundo e continuamos inseguros. Não somos justos, mas vingativos.
Na "Genealogia da Moral", Nietzsche alerta contra tentativas de "sacralizar a vingança sob o nome de justiça --como se no fundo a justiça fosse apenas uma evolução do sentimento de estar ferido".
Imperfeita como qualquer ideal humano, a justiça é para reduzir as diferenças, não acentuá-las.
"É tão evidente que a injustiça, sob todas as suas formas, é o pior dos males, que bastará isso para fazer da justiça a mais desejável das virtudes", escreve o filósofo Francis Wolff na coletânea de ensaios "Vida Vício Virtude".
E ressalva: "Por mais raro que seja o homem justo, ele, todavia, não é ninguém especial, é simplesmente como cada um deveria ser".

Texto de Luiz Fernando Vianna na Folha de São Paulo.

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