As iniciativas de reforma do governo conservador mais prejudicam do que ajudam as prostitutas que eles pretendem proteger.
Em dezembro, uma nova lei sobre prostituição entrou em vigor no Canadá. A Lei de Proteção de Comunidades e Pessoas Exploradas, ou Lei C-36, criminaliza a compra (mas não a venda) de serviços sexuais, e restringe a propaganda de serviços sexuais e a comunicação em público para promover a prostituição. A lei substitui uma legislação, derrubada em dezembro de 2013 pelo Supremo Tribunal do Canadá, que criminalizava os atos associados com a venda de serviços sexuais. Em sua decisão de 2013, o Tribunal considerou que essas leis violavam os direitos à proteção e à segurança dos trabalhadores do sexo, e deu ao governo conservador do primeiro-ministro Stephen Harper um ano para implementar uma nova legislação.
Muitos esperavam que estava fosse a chance do Canadá de imitar a Nova Zelândia, onde a compra e venda de sexo consensual entre adultos foi descriminalizada em 2003, e cláusulas foram introduzidas para proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores do sexo. Na Nova Zelândia, certificados válidos são exigidos para empresas de prostituição com mais de quatro funcionários; sua localização e publicidade pode ser regulada. Revisões a cada cinco anos não encontraram provas de que a descriminalização tenha aumentado o tamanho da indústria do sexo. Trabalhadores sexuais passaram a achar mais fácil recusar um cliente, sentiram-se mais protegidos de ataques e seguros para relatar abusos. E os benefícios de saúde são claros: um estudo da ONU de 2012 concluiu que a abordagem da Nova Zelândia aumentou o "acesso ao HIV e aos serviços de saúde sexual e está associada a taxas bastante altas de uso de preservativo."
Em vez de implementar essas políticas testadas, a Lei C-36 – como disse o ministro da Justiça Peter MacKay, que apresentou o projeto de lei, ao comitê do Senado em setembro – efetivamente torna a prostituição "ilegal pela primeira vez no Canadá". Ela não só reproduz o que muitos dos estatutos derrubados pelo Supremo Tribunal em 2013, como vai além, tornando um crime a compra de serviços sexuais. A premiê de Ontário, Kathleen Wynne, expressou uma "séria preocupação", e pediu formalmente ao promotor-geral para decidir sobre a constitucionalidade da lei. Mas as leis estão aí para ficar, pelo menos por algum tempo: Alan Young, advogado à frente do caso em 2013, estima que posso levar de cinco a seis anos para um novo desafio chegar ao Supremo Tribunal.
No Canadá, permanece um crime lucrar com a prostituição de outras pessoas, ou comunicar-se em certos espaços públicos com o objetivo de vender sexo. Mas a Lei C-36 agora torna ilegal pagar por sexo, e também que terceiros anunciem a venda de serviços sexuais em jornais ou online. Em geral, o resultado de leis como esta é desalojar trabalhadores do sexo que atuam nas ruas para áreas mais remotas, com frequência pouco seguras, para que os clientes possam evitar a detecção da polícia. Mesmo aqueles que têm acesso a espaços privados provavelmente se sentirão mais ameaçados: de acordo com a Lei C-36, é ilegal pagar por sexo em qualquer lugar, inclusive em ambiente privado fechado. E as restrições sobre a publicidade e a comunicação limitam a possibilidade de os trabalhadores do sexo buscarem clientes ou negociar transações. É claro, este era exatamente o ponto. "Não queremos que a vida fique segura para as prostitutas", disse o senador conservador Donald Plett ao Senado em setembro, "queremos nos livrar da prostituição".
Se abolir a prostituição é a meta de alguns legisladores canadenses, o precedente sugere que é improvável que a nova medida tenha sucesso. A Lei C-36 segue o exemplo da Suécia, Noruega e Islândia, onde a compra - mas não a venda - de sexo foi criminalizada na lei aprovada desde o final dos anos 90. Os proponentes do chamado "modelo nórdico" (também implementado, sob diversas formas, na Coreia do Sul, Finlândia, Israel e Inglaterra), argumentam que a indústria do sexo segue os princípios de mercado da oferta e da demanda, assim, atacar a demanda fará com que a oferta diminua.
Mas dificilmente existe um consenso quanto a isso. Os defensores do modelo nórdico observam que a criminalização da compra de sexo reduziu a prostituição nas ruas da Suécia. Em 2008, no entanto, o Conselho Nacional de Saúde e Bem-Estar da Suécia informou que, embora as taxas de prostituição tenham caído imediatamente após a implementação da lei de criminalização em 1999, elas se recuperaram em cerca de dois terços em poucos anos. Um relatório de 2012 da Comissão Mundial sobre HIV e Legislação revelou que o "comércio sexual da Suécia continua nos níveis anteriores à lei"; ele "simplesmente passou a ser feito de forma mais velada" ou online.
E o modelo nórdico tem efeitos normalmente prejudiciais para a saúde e a segurança dos trabalhadores do sexo. Uma relatório de 2010, publicado pelo Instituto Sueco, revelou que a criminalização resultou em assédio elevado aos profissionais do sexo, que se sentiam "caçados" pela polícia e tratados como "pessoas incapacitadas" cujos "desejos e escolhas não são respeitados". O relatório da Comissão Mundial de 2012 revelou que a criminalização torna as vidas deles "menos seguras e bem mais arriscadas em termos de HIV."
No Canadá, esses efeitos serão sentidos de forma mais profunda pelas mulheres indígenas. Em grande proporção na indústria do sexo do país, elas têm taxas mais altas de estigmatização e violência, e já são insuficientemente protegidas pela polícia: em 2012, a Comissão de Investigação de Mulheres Desaparecidas da Colúmbia Britânica citou a relação ruim entre os trabalhadores do sexo e a polícia, influenciada pelas leis de prostituição do Canadá, como um fator responsável pelos desaparecimentos e assassinatos de mulheres indígenas. A nova legislação provavelmente vai piorar a situação.
A Lei C-36 aloca US$ 17 milhões em cinco anos - uma quantidade relativamente pequena - para ajudar os trabalhadores do sexo a deixar a prostituição. Mas essa utilização de recursos fará pouco para melhorar a vida dos trabalhadores sexuais para aqueles que não podem, ou não querem, deixar a profissão. Em vez de tentar acabar totalmente com a prostituição, o Canadá deve, assim como a Nova Zelândia, dedicar seus recursos para garantir que os trabalhadores do sexo tenham acesso adequado à saúde e outros serviços sociais, e que não sejam traficados ou explorados de outras formas.
No Canadá, a aprovação da Lei C-36 causou resistência. Vancouver tem indicado sua intenção de priorizar as diretrizes municipais para os trabalhadores do sexo adotadas em 2013, enquanto aplicar a lei é "um último recurso". A revista semanal NOW, de Toronto, recusou-se a cumprir a proibição da propaganda; se o governo reclamar, isso pode levar ao primeiro teste da constitucionalidade da lei.
Nas audiências do Senado em setembro, Kerry Porth, uma ex-profissional do sexo e presidente da Pivot Legal Society, um grupo de defesa canadense, argumentou que a Lei C-36 levaria a "mais exploração, mais violência, e mais desespero." Infelizmente, em vez de aproveitar esta oportunidade para aprovar reformas verdadeiramente significativas, o Canadá apenas substituiu uma política equivocada por outra.
Reportagem de Julie Kaye para o The New York Times, reproduzido no UOL.
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